Parte 1 - o convite

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Rodas girando no asfalto quente no final da manhã sonolenta do meio da semana. Molas sobem e descem, amortecendo impactos e fazendo os passageiros sentados cochilarem com os sacolejos. Mãos delicadas seguram um  exemplar de Jogos Vorazes, que  quase desaba na luta contra o sono, o cochilo inevitável no trajeto escola-casa.  Bateu  a cabeça no vidro, mas antes de xingar mentalmente, o que os olhos viram fez com que a boca não fechasse. Letras garrafais no outdoor digital: Bookaholics - você está pronto? perguntava a animação na tela, seguido de uma enxurrada de livros, formando um redemoinho e engolindo leitores, que rodopiavam enquanto eram sugados. No final do anúncio, uma exclamação e um QR code, que permaneceu na tela por 5 segundos. Exatamente o tempo que Lola levou pra tirar o celular do bolso. Soltou um "hunf" , indignada com o azar, chamando a atenção do garoto de touca do banco ao lado, que olhou de canto de olho e deu de ombros, voltando a carnificina zumbi de seu smartphone. Cinco minutos depois, levantou e saiu, quase batendo com a mochila no rosto do garoto de touca, que desviou do objeto pesado sem tirar os olhos do game, like a boss.

Quando fez menção de puxar a campainha para desembarcar,  uma mão enluvada a deteve. Os olhos de Lola acompanharam os braços, subindo pelos ombros e chegando até a cabeça, coberta por uma cartola. Se tivesse uma cabeleira, ela teria certeza de três coisas:

1 - Slash anda de busão.

2 - Precisa dormir mais cedo. 

3 - O calor em ambiente fechado provoca alucinações.

Se a coisa já estava estranha, ficou ainda mais quando a escuridão tomou conta do ônibus, com exceção do Slash sem cabelo, iluminado como se estivesse num palco durante um solo no show do Guns.  Caminhando para o fundo do coletivo, apontou o dedo indicador para a garota, fazendo o facho de luz iluminar aquele rostinho adolescente. A expressão de espanto fez com que o rapaz sorrisse, tirando um envelope da cartola. Papel pardo, com um selo vermelho de cera lacrando e protegendo o conteúdo. Na frente, escrito em nanquim, quatro letras: Lola. No verso, impresso no papel uma palavra, que brilhava no envelope feito led em painéis digitais:

Bookaholics

Estendeu a correspondência em direção a garota, que timidamente moveu alguns centímetros em direção oposta. Antes que ela pudesse alcançar, o mensageiro de preto recolheu a mão. Depois disso, abaixou-se para ficar na mesma altura da garota. Frente a frente, perguntou:

— Você está pronta?

Lola não respondeu. O mensageiro sumiu, entre fumaça e um riff de guitarra, que soou não se sabe de onde.   Apenas o envelope ficou no chão. Com os olhos bem abertos, ela correu para apanhar o objeto, que deslizou para debaixo do banco quando o ônibus fez a curva, antes do motorista perder o controle e screeech ...  a freada brusca fez com que todos passageiros de pé se embolassem e os sentados batessem cabeças com os assentos ou com outros passageiros. Foi o caso de Lola, que acordou com o impacto da sua cabeça indo de encontro à do garoto de touca, que não era assim tão antipático e até se preocupou com ela, perguntando se tinha se machucado. Irritada, não respondeu, se levantando para desembarcar e ainda impressionada com o sonho estranho, Slash, performance, convite... Estava quase desembarcando quando ouviu alguém gritar:

  — Mina, esse envelope aqui! Cê esqueceu no banco!

Lola não acreditou quando viu, nas mãos do grunge/gamer, aquilo que até então achava que se tratava de um sonho: o envelope de papel pardo, a palavra brilhando, seu nome...Correu em direção do garoto, arrancou o envelope  e  agradeceu dando um pedala na touca.  Ao desembarcar, acenou para o  rapaz, em agradecimento. Quando se preparava para abrir o envelope, uma forte chuva despencou, subitamente, fazendo com que ela guardasse aquele papel misterioso na mochila e corresse em direção a sua casa.


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