O CAVALEIRO DE OLHOS AMARELOS

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Luiz Mariano


Depois de exterminada a última nação indígena

E o espírito dos pássaros das fontes de água límpida

Mais avançado que a mais avançada das mais avançadas das tecnologias

Caetano Veloso


Conta-se que o engenhoso fidalgo Dom Quixote de La Mancha, nas suas horas largas antes de se arremeter ao encontro de moinhos, castelos e donzelas encantadas, devorava livros de cavalaria como fino manjar. Perdia-se nos pântanos de romances de terras distantes, reis e rainhas, gigantes, relatos de aventureiros, entre outros exemplares que povoavam sua entulhada livraria. Dentre as muitas obras que tinha despendido suas horas de ócio, uma delas tinha o valoroso cavaleiro se admirado muito.

Tratava-se de um pequeno livrete intitulado "O cavaleiro de olhos amarelos", onde narrava a seguinte história:

"Havia muitos livros e fatos mui bem narrados, com as historietas mais impressionantes narradas por mui grandes escritores; mas nenhuma, valha-me Deus, como aquela que se desvendava nas próximas páginas.

Num reino muito distante, onde se plantando tudo dá, certo rei tinha determinado conquistar mais um pedaço de terra para sua coleção de descaminhos. Testemunha disso era este humilde viajante que vos escreve, longe da terra natal, a saudosa Espanha, terra abençoada de Deus. Pois bem, esse rei, que decerto não era rei coisa nenhuma, pois não usava nem cetro nem coroa, tinha apesar disso muitos súditos, um enxame sem par de guerreiros, todos muito robustos. Este comandante tinha juntado ao seu domínio uma penca de governadores, de vários lugares adjacentes, reunindo os poderosos numa algazarra multicolorida de homens com penachos e apetrechos que lembravam vagamente nossas roupas.

Pois o chefe tinha convocado todos para participarem de uma escaramuça tranquila, já que a aldeia visada não tinha mais que 100 guerreiros, e o trajeto era espaçoso e amplo. Carregavam lanças, machados, arcos, alguns poucos tinham arcabuzes. Havia até mesmo alguns espanhóis entre aqueles homens estranhos, aventureiros em busca de algo que nem mesmo sabiam direito.

O que todos se perguntavam, mas ninguém dizia abertamente, era porque juntar tantos estandartes, ou melhor, plumas, para tão reduzido inimigo. A hipótese mais plausível, aventada por González, um ganancioso espanhol, era que seria uma manifestação de poder para impressionar as gentes dos arredores. E era realmente impressionante aquela multidão incontável de batalhões das mais diversas tribos. Muitos deles não falavam a mesma língua. Existiam os tupinambás, que exibiam seus tacapes coloridos enquanto arrogantemente desfilavam entre os próximos; Os aimorés, selvagens entre os selvagens, aterrorizavam só de olharem com seus rostos frios. Os espanhóis bebiam e mediam forças com outros europeus que era difícil de se identificar de onde eram; sabia-se apenas que não eram bugres. Espadas de aço eram roubadas e acampamentos inteiros viravam de pernas pro ar na luta por reavê-las. E assim a insólita aglomeração de homens de armas caminhava aos poucos. A não ser os pouquíssimos que marchavam a cavalo, animais velozes, dos quais os selvagens tinham medo.

Tiaraçu, o chefe dos chefes, não compartilhava do temor de seus companheiros pelos nossos amigos de quatro patas. A impressão era a de um homem rijo, de compleições firmes, cicatrizado, rico em histórias e ambição. Ele queria construir um império, parecia-me, e era muito temido pelos demais. Eu concordava com González sobre o propósito desse ataque, mas parecia que Tiaraçu enxergava longe, como dizia ele para mim: "Estes dois olhos, Hernandez, foram roubados de um gavião pelas minhas próprias mãos. Posso ver o que acontece a dez morros de distância". Ele sabia que as tribos vizinhas se desesperariam com um exército imenso como esse era, e rapidamente fariam tratos sem papel, já que eles não conheciam este material, entregando virgens como moeda de troca para evitar dispendiosos combates, enviariam guerreiros para a messe, e assim Tiaraçu engordava o tamanho da tropa, que agora tinha voltado a se locomover.

Mostra Ecos 5ª edição: BrasilOnde histórias criam vida. Descubra agora