TERRA OBSCENA

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E. Reuss



Maurício Borges, em intervalo no pátio da ala masculina. Hospital Colônia Santana, São José, SC. Janeiro de 1985.

Não, o que eu tô te dizendo aqui é que nunca houve penetração, me entende? Só queria me sentir no controle. Eu não sei quem poderia te falar uma coisa dessas, que meu problema era passar o dia inteiro trancado no quarto fazendo... Amor. A verdade é que eu tive uma infância silenciosa... reprimida, talvez? É um momento especial na vida de um menino. Principalmente o momento da descoberta... E você entende o que é ter isso reprimido, assim, por quem você ama? Sabe o que é ver seu pai vestindo a lingerie rendada da sua falecida mãe? Sabe o que é ver seu pai vestido para ter relações, mas do mesmo jeito que sua mãe se vestiria para ter relações? Você tá me entendendo? Porque eu acho muito difícil...

Pergunta. [Inaudível]

Não, não, é isso mesmo que você ouviu. Aqueles sons noturnos de repente começaram a fazer sentido e a minha imaginação infantil completava a escuridão do quarto com aquelas imagens doentias, imagens envolvendo dois homens, um deles do meu próprio sangue curvado sobre a antiga penteadeira da minha mãe. Logo, entrei num caminho de isolamento do qual nunca mais saí. Cheguei aos dezoito anos falando duas ou três frases por semana. Qualquer tipo de interação me fazia sentir como se eu estivesse perdendo o controle, me entende? Larguei os estudos e comecei a trabalhar no IML. Os mortos me pareciam muito mais compreensivos. Eles faziam eu me sentir totalmente no controle, tanto do meu corpo quanto do deles. As mulheres continuavam perfeitas, inclusive internamente. Compartilhávamos a preferência pelo silêncio. Todo mundo lá acaba se acostumando com a ausência de som, de modo que no prazer acabávamos deixando escapar os sons mais instintivos... Mais selvagens, tá me entendendo?

Pergunta.

Exatamente! [Risos] Perturbação do sossego público, diz a sentença que me trouxe pra cá. A gota d'água lá em casa foi a Júlia. Fazíamos um amor puro e selvagem, sempre sob o meu controle, me entende? Eu ficava imerso no silêncio por dias e ali, no êxtase sexual, eu não percebia que os sons que eu emitia perturbavam o sono alheio. Mas isso é motivo para ser abandonado? Para ser tratado como louco?

Pergunta.

Por um tempo, até achei que ele havia aprendido a aceitar minha felicidade. Fazíamos o nosso amor sonoro de sempre e meu pai parecia não se importar. Ilusão... Maldita ilusão de que eu possuía algum controle sobre minha vida! Ele não podia aceitar minha felicidade. Ouvi as batidas na porta do meu quarto e pedi que Júlia se escondesse, mas onde? Tive que improvisar e... Juro. Juro por tudo. Aquele foi o momento mais feliz da minha vida. Pela primeira vez vi no olhar furioso do meu pai o amor que ele sentia por mim, enquanto ele me dizia que não ia aceitar mais um retardado na nossa família. Chorei enquanto ele abaixava minhas calças. As palmadas doíam, mas não chorava por causa da dor. Chorava por causa da libertação. Percebi que tudo o que eu sempre quis era ser controlado e manipulado como uma criança... E então ouvimos os gritos e meu pai correu para a janela. Vi ele empalidecer ao olhar para a rua. O que foi pai?! Eu perguntei, chorando. Caminhei com as calças abaixadas até a janela e vi alguns pedestres acudindo uma senhora desmaiada, enquanto um grupo aterrorizado de dez ou quinze pessoas olhava pra janela do meu quarto. Hipócritas, todos eles. Agora meu pai olhava pra mim também, e eu só conseguia dizer "O QUE FOI?!". Odiava ser julgado daquela forma. Então puxei o lençol que eu havia amarrado no pescoço de Júlia, mas o corpo dela ficou preso no parapeito da janela. Todos me olhavam, paralisados. [Chorando]. E eu... eu perguntava O QUE FOI?! O QUE FOI?! De repente a sutura da autópsia estourou e o intestino de Júlia ficou pendurado. Mais alguns pedestres gritaram e um carteiro foi atingido na cabeça pelas tripas. A imagem foi impactante? Talvez. Mas lá estava eu, sendo julgado por causa do amor.

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