{Esse capítulo é horas antes do último, de forma que é a madrugada deste dia em que Felipe conversa com Rezende. Quero eu entendam que Rafael tem conflitos internos, e o melhor jeito de mostra-los a vocês é por meio de vozes. Ele não é esquizofrênico, é um adolescente quebrado por dentro. Não confundam.}
- Antes disso, ás 3:00h a.m. -
É engraçado o quanto foda invisível eu sou no mundo.
Acordei de um dos meus infinitos pesadelos no meio da madrugada, suando em bicas e arfando pelo ar que eu parecia ter perdido. As coisas continuavam ficando mais reais conforme passa o tempo e eu já não sei se posso aguentar mais disso.
Desloquei-me sem jeito ou cuidado para o banheiro onde tomei uma ducha rápida antes de vestir um moletom preto e uma calça de moletom. Eu precisava ficar um pouco fora de casa. Eu precisava sentir um pouco do frio, do sereno, da escuridão que havia lá fora.
Porque meu quarto é cheio de sombras, e elas me assustam. Mas se eu estiver na escuridão total, como posso distinguir as criaturas que me põe medo?
Prefiro ser atingido em surpresa total a sofrer antecipadamente por algo que não há como parar.
Saí do quarto com o mínimo ruído possível, para que minha mãe não me atrapalhasse. Coloquei meu tênis velho e peguei a chave reserva. Fui direto para a porta da frente por onde saí, sem qualquer complicação.
Andei pela calçada sem rumo, sorrindo fraco ao sentir a brisa fria atingir meu rosto e cabelo. Observei as casas vizinhas mudarem de barracos para casas razoáveis ao caminhar pelas ruas, e dei um olhar indiferente as poucas mansões que haviam no mais distante. Nunca entendi porque pessoas ricas vêm pra cá, já que aqui não tem nada de atrativo.
Os únicos que moram lá, nessas mansões tão incaracterísticas da cidade, são os Rezende, os Azure, os Negromonte e os Batista. Só conheço um Rezende, que também o valentão que bateu em Mikhael. Pedro Rezende.
Os Azure são praticamente inacessíveis, ouvi dizer que seus filhos estudam em casa. Os pais nunca saem, pelo menos não juntos.
Os Negromonte são aparentemente amigos dos Batista, boatos dizem que o filho mais velho dos Negromonte namora o mais novo dos Batista, mas nada é confirmado visto que ambos estão estudando no exterior.
Observo alguns postes iluminados no que parece ser uma praça e sigo até o local, parando em um dos bancos de madeira velha para descansar. Suspiro e coloco minha cabeça entre as mãos, me sentindo perdido em mim mesmo.
Eu sei tanto sobre pessoas que nunca dei uma palha de importância, mas sou ignorante quanto a mim mesmo. Não sei o que quero fazer no futuro, não vejo um modo de seguir a vida como pessoas normais fazem. Não tenho um estilo próprio. Não sou atraente o suficiente para conseguir alguém normal, e meu estado mental também não pede por isso.
Você sabe o queremos.
Não. Eu não preciso disso.
Idiota. Ele é o único que nos quer.
...Isso não é verdade.
Claro que é, pare de ignorar a verdade.
Não! Eu posso me dar bem sozinho. Eu posso me curar, eu posso tentar achar uma saída menos humilhante e EU NÃO PRECISO DELE.
Acho que você está surdo mesmo para a sua razão interior. Você sabe que precisamos dele, que somos fracos. Sozinhos. Odiados. Quebrados. Não podemos mais ser humilhados porque nós mesmos nos humilhamos! Você não vê ignorante? Quem iria nos ajudar a colar os pedaços? Somos fracos sozinhos, e o único que nos quer gosta de nós assim.
E-eu...
No fundo você sabe...
Que somos apenas uma parte de você...
Que acredita no fato de que...
Precisamos do 'amor' doentio dele...
Porque somos sedentos por aceitação...
E porque... Preferimos muito mais... Quando a dor é causada por outra pessoa.
Porque é aí que nos sentimos vivos por algo.
Sorri. Sinceramente dessa vez. Levantei com meu sorriso de canto e andei todo o caminho de volta a minha casa. Abri e tranquei a porta novamente. Tirei o tênis e os deixei no lugar. Andei até a cozinha e deixei a chave reserva no balcão que tem ali. Andei até meu quarto em silêncio e abri a porta. Tirei o moletom e fiquei apenas com a calça, deitando novamente na minha cama. Fiz tudo isso com meu sorriso intacto, e continuava com ele até agora.
Pensei em qual a reação ele teria ao ver o que fiz ao meu braço. Levantando meu braço, pude olhar os cortes menos grotescos agora que estavam secos. Pareciam quase poéticos. Como uma tatuagem. Uma tatuagem sobre seu amado, que veio da vontade de ter sua presença o quão possível for para que não se sinta sozinho. A ideia de carregar um pedaço de sua pessoa especial é tão bonita... Mas seria uma invasão de privacidade se eu pedisse que alguém marcasse o nome dele em mim. Não. Eu fazer isso foi uma ideia melhor. Significa mais pra mim assim. Senti meu sorriso se arregalar, orgulhoso do que eu fiz mesmo que minha intensão não fosse essa no começo.
Fechei meus olhos, em paz por uma vez depois de mais de um ano. Era bom não sentir-se sozinho. Era bom saber que quebrado eu podia ser querido.
É bom saber que alguém me quer.
_
Quando ele diz "é engraçado como sou invisível", ele quis dizer que é incrivel que ele não seja percebido quando sai de casa, quando está na escola e é assediado por Felipe. É aquele pensamento aleatório que temos, mas que faz todo o sentido para nós.
Quando disse que Rafael está quebrado, digo também que ele precisa de afeição. Ele carece de amor, de atenção, e ele não encontra isso em qualquer lugar mais. Mas, Felipe já disse várias vezes que ele cuida dele. Cuidado pode ser interpretado de várias formas, e só agora Rafael 'percebe' que ele poderia ter justamente o que quer. Ele só teria que desistir de seus direitos como ser humano, teria que admitir ser propriedade.
Acredite quando digo que isso não parece muita coisa para ele agora.
Por isso é que, depois de tanto tempo em conflito, ele está concordando com as 'vozes'. Ele agora acredita que esse é o melhor caminho.
All the love,
Nico.
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Unhealthy - Cellps
Fiksi PenggemarQuando tudo parece não importar, e eu me sinto perdido nos seus olhos, assustado com meus sentimentos e sem forças para negar-lhe qualquer coisa. _ Quando tudo me parece nada valer, mas sua presença é indispensável. Tenho a certeza de que és meu, só...