Soundtrack do capítulo: The Chain - Fleetwood Mac
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Passava um pouco das sete e eu estava mais nervosa do que gostaria, enquanto atravessava a rua em direção ao pub. Tinha levado apenas um vestido simples para colocar depois do trabalho, para voltar para casa, e fiz o melhor que podia com a maquiagem que carregava na bolsa. Meus cabelos, por algum golpe de sorte, não estavam num dia ruim e foi só pentear um pouco para ficarem apresentáveis. Quando me olhei no espelho, avaliei que podia estar pior. Eu podia ter vindo com a blusa azul de algodão, minha favorita para dias difíceis, e a calça jeans folgada e desbotada. Mas os dias difíceis não eram mais uma regra há algum tempo já.
Abri a porta do pub, que se chamava Blue, e uma lufada de ar condicionado me envolveu. Era um lugar peculiar, pouco iluminado, com algumas mesas encostadas à parede oposta ao bar, onde ficava um pequeno palco; mesas altas lá pelos fundos, bancos igualmente altos e alguns anúncios de bebida espalhados pelas paredes. Estas eram de escuros tijolos aparentes; no entanto, com a parca iluminação, não dava para perceber direito a cor deles. Havia pessoas bebendo nas mesas e umas poucas sentadas em bancos próximos ao balcão do bar. Não era nada de especial, mas sempre achei aconchegante, com aquelas luzes em néon piscando no bar, bem anos 80. A melhor parte do lugar era a música ambiente, que era sempre muito boa, fosse tocada por alguma banda ao vivo ou saída de pequenas caixas de som espalhadas. Naquela noite, tocava uma seleção de classic rock.
Respirei fundo e fui andando em direção ao balcão, tentando identificar pessoas naquela meia penumbra. Acenei para um pessoal que eu conhecia de tanto frequentar o lugar, assim como para o dono, um dos donos, Julio. Ele era só um pouco mais velho que eu e estava ao balcão, servindo bebidas. De repente, senti uma presença atrás de mim e me virei depressa, quase esbarrando naquele que tinha vindo encontrar. Fernando.
Ele era mais alto do que eu esperava. Tinha um cheiro sutil e cítrico e eu quase me aproximei mais, para identificar o que era. Era a primeira vez que não tínhamos uma bancada entre nós, nos separando, e essa proximidade, assim como o ambiente intimista, estava certamente mexendo com os meus nervos. Ele estava sem terno e sem gravata, tinha aberto o botão do pescoço e dobrado a camisa social branca até os cotovelos, expondo os antebraços fortes e um relógio de pulso prateado. A penumbra do lugar aumentava a força daquele olhar azul e tornava-o misterioso. Os cabelos estavam meio desalinhados, mas não de uma maneira ruim. Como da primeira vez em que o vi.
Ele parecia mais à vontade, livre da fantasia de homem de negócios. Mais genuinamente ele mesmo, em sua máxima essência. Eu estava sem ar e ainda nem tinha conseguido observá-lo inteiro. Achei melhor parar, antes que eu ficasse vermelha e ele desconfiasse. Já estava em desvantagem o suficiente.
— Fiquei achando que não viria — ele disse, sorrindo.
O sorriso devia ser para terminar de me matar.
— Eu disse que viria — falei, simplesmente.
— A contragosto.
Ele tinha deixado comigo, na padaria, um cartão de visita da empresa em que ele trabalhava e o número do celular dele, para caso acontecesse alguma coisa, ou eu mudasse de ideia. Por algum motivo, ele esperava que eu mudasse. Eu não mudei. Como poderia?
— Se não quisesse vir, não teria concordado — eu disse.
Ele não me conhecia, não podia culpá-lo. Eu nunca fazia nada que não queria, por insistência de alguém. Os motivos que me fizeram hesitar não tinham nada a ver com ele e tudo a ver comigo, com minhas inseguranças e meu passado de merda.
— O que quer beber? — ele perguntou. Reparei que tinha uma longneck de Heineken na mão.
— O mesmo que você.
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Um Encontro
RomansaDEGUSTAÇÃO Link do livro na Amazon.com: https://www.amazon.com.br/dp/B01MPXAWI2 -- Encontros aleatórios acontecem a todo momento. Até que, num dia qualquer, um dia particularmente comum, algo acontece. Momentos de impacto. E, então, tudo muda. Ela n...