As celebridades fervem no caldeirão da loucura.

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Loucura tem época.

No fim do século XIX, as mulheres se contorciam em ataques histéricos, pela repressão vitoriana. A paranoia se espalhou entre as duas guerras mundiais. O desespero e o absurdismo, o niilismo tomaram o mundo pensante após a Segunda Guerra, porque depois de Auschwitz tudo era possível. Qual será a loucura típica de hoje, aqui e no mundo? Aqui no Brasil, a loucura de hoje é imperceptível. Este clima geral dispersivo, pagodeiro, gargalhante, desreprimido parece liberdade, mas não é. Já escrevi aqui sobre isso, mas volto ao assunto pois a novela do Gilberto Braga, Celebridade, atualizou o tema.

Temos hoje liberdade para desejar o quê? Bagatelas, mixarias. Uma liberdade vagabunda, para nada, para rebolar o rabo nas revistas, uma liberdade "fetichizada", produto de mercado e até mesmo disfarçada de revoltas "de festim": êxtases volúveis, visíveis em clubbers e punks de butique. Somos livres dentro de um chiqueirinho de irrelevâncias, buscando ideais como a bunda perfeita, recordes sexuais, próteses de silicone, sucesso sem trabalho, substituição do mérito pela fama. Não precisamos fazer ou saber nada; basta aparecer. Se antes havia excesso de ideologias hoje somos todos um bando de frívolos patetas, como crianças brincando num shopping. Esta infantilização cultural da mídia e do cotidiano se dá simultaneamente com o mundo entrando num parafuso de tragédias sem solução como uma Disneylândia cercada de homens-bomba.

Não é estranho?

Já vivi vários tipos de loucura. Conheci a loucura utópica pré-64, quando achávamos que o Brasil ia virar magicamente uma grande Ipanema, o que culminou com a porrada militarista. Depois, veio o trauma grave de 68. Você podia morrer torturado se um síndico-general do seu edifício cismasse com sua cara. O desespero da juventude, nesses anos é irreprodutível. Só quem viveu. A mistura de angústia, drogas rnisticisrno contracultura sem flores hippies, perigo de morte gerou ao menos uns sete anos de horror.

Outro dia vi um filme underground da época que se passava todo dentro de um chiqueiro, com o ator comendo excrementos. Esse era o espírito do tempo... o Zeitgeist de merda.

Aí, a ditadura acabou! voltou a democracia! somos "livres" e então? A base de nossa piração atual é a clareza de que não dá para fazer quase nada na política. A marcha das corporações, a lógica in-humana das coisas, o determinismo das forças produtivas estão mandando em nosso destino. Tudo fica gratuito, diante da irrelevância da ação humana sobre a sociedade. A razão cínica do "pode tudo" é um disfarce para o consumo indiscriminado de produtos. As coisas já mandam em tudo, como a invasão das bolhas assassinas, num filme B de terror.

O futuro virou uma promessa de aperfeiçoamento de produtos, com uma velocidade que fez do presente um arcaísmo em processo, uma espécie de passado "ao vivo" em decomposição. A democracia em país analfabeto trouxe a fabulosa ascensão livre da cretinice nacional; viramos um grande "pagodão" e não adianta racionalizar e dizer que é "legal". Não é. É uma bosta. A literatura está dividida em best-sellers de um lado e tediosos bisnetos de Joyce, patéticos e ignorados, de outro.

As paixões passaram a durar o tempo entre duas reportagens de Caras. O amor é um pretexto para a orgia de troca-trocas narcisistas. O casamento virou um arcaísmo careta. O sexo, uma competição de eficiência. Onde está a sutileza calma dos erotismos delicados? Onde, o refinamento poético do êxtase? Nada. No sexo, o desejo é virar máquina e atingir o desempenho perfeito, o orgasmo definitivo. Até criticar o erro do mundo ficou ridículo. A arte ficou ridícula, inócua, pregando num deserto de instalações melancólicas que ninguém vê. O cinema virou um "titanic", um vídeo game, com guetos de "independentes" queixosos. Os artistas não têm mais nem o consolo do
pessimismo clarividente, do absurdismo iluminista de um Beckett ou Camus.

Não há esperança nem na desesperança crítica. O absurdo ficou óbvio demais para ser condenado, superou o mais terrível pesadelo surrealista. O velho passado é um museu de inúteis curiosidades históricas. Tudo tem de ser "novo", sem tempo de envelhecer. A isso, soma-se a sensação de que as nações não controlam mais seu destino, de que somos barquinhos à deriva no mar das corporações, de que a vida é um subproduto do balanço das companhias. E, ainda por cima, aqui no Brasil, temos a brutal resistência do atraso patrimonialista e oligárquico. O mal ficou banalizado e o bem, um luxo
ridículo, quase uma vaidade, um hobby. Estamos nos acostumando a isso. Pior que a violência é o acostumamento com a violência. Não é nem cinismo; é tédio. Há um sentimento difuso de que não podemos fazer nada, o que gera o sucesso dos evangélicos tipo Igreja Universal e o perigo de populismos fascistoides.

Restam algumas esperanças. Lá fora, poderá haver um movimento forte de autocrítica dentro dos USA. A denúncia da mentira da globalização poderá ser um movimento internacional, com as massas em busca de outros valores.. Essa revisão crítica aconteceu nos anos 60/70 e poderá se repetir, se começar nos USA.

No caso do Brasil, tinha de haver um grande movimento de denúncia e combate da sordidez da indústria cultural, da exploração das superstições, dos horrores culturais que vemos nas televisões.

Não podemos continuar aceitando tudo, num conformismo cínico e individualista.

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