Entre o celibato e o casamento, o coração balança.

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Outro dia, D. Paulo Evaristo Arns declarou-se a favor do celibato opcional para os padres. Mas seria difícil a vida de um padre casado. Além de servir a Deus, ter de cuidar do lar. Imaginemos um padre casado.

— Chegou tarde hoje, hein! — disse dona Silvaneide, mulher do padre, morena, seios fartos, fogosa, ex-dançarina de pagode, depois arrependida, depois beata, acendedora de velas do altar e amante do pároco, hoje casada com ele.

— Meu anjo... essa época de Natal é difícil... mais de 30 confissões...

— Confissão, o cacete! ...Você fica ouvindo aquelas sacanagens ali no confessionário e depois vai se encostar naquela filhinha de Maria que ajuda na sacristia... a tal de Abigail, com aquela carinha de sonsa, beijando sua mão... Não sou cega não, meu filho...

— Estava trabalhando por dinheiro... mulher... já entrei no cheque especial... o bispo me prometeu um extra por confissões em cascata... É incrível... os pecados estão mudando... o que tem de corrupção, de cheques sem fundo... Não há mais pureza ou arrependimento... só sexo sem culpa...

— É aí que você gosta, não é? ...Se excita mais com a "santinha" da sacristia...

— Meu bem, nem tenho forças... só penso em você... e nas contas apagar...

— (Chorando.) Você não me ama mais... (Ela se ajoelha, lágrimas jorram.)

— Meu amor... nada disso... olha... vamos sair... se eu tivesse dinheiro, te levava ao Crazy Love, aquele motel novo... mas... olha, vou mostrar que te adoro, agora! ...Vai pro quarto! Prepara-te para receber o sagrado sacramento do matrimônio!...

— (Debochada.) Que milagre é esse? A gente não transa desde a Páscoa... Agora não quero. Nosso problema é dinheiro... Você podia pegar umas esmolas daquele cofrinho; o sacristão não fazia isso?

— Eu sou um servo de Deus! Quer que eu seja ladrão? Acordo às cinco da manhã... às seis já estou rezando missa. A igreja está quebrada; com a crise, ninguém dá mais esmola... Eu tenho de varrer a sacristia... Vou comprar as flores mais baratas lá no Jacarezinho, de ônibus, para enfeitar os casamentos e batizados, que são as únicas graninhas que eu descolo... e ainda tenho de ouvir os xingamentos do bispo, que está com Alzheimer e pensa que eu sou o Satã... Vive me exorcizando... Você pensa que é fácil?

Pensa? Me dá até vontade de voltar ao celibato, ficar trancado na clausura, vendo a Xuxa na TV e chorando pra Jesus... é melhor... Olha, Silvaneide, eu me orgulho de ser honesto!...

— Você não é honesto, não... Você é burro. Vamos acabar na "rua da amargura"... Não estamos mais na época de São Francisco não... É mercado global, meu filho... Era do espetáculo... Por que os evangélicos estão com esse sucesso todo?.. Porque são espertos... descolam aqueles dez por cento ali dos otários... numa boa... cantam... dançam... Show business! Ontem mesmo, teu filho falou que... Aliás, ele anda com uns caras estranhos, cabeça raspada, tatuagem... ele diz que é "anjo do inferno"... Sei lá o que é... Mas ele disse assim, na minha cara: "Papai é otário... Veja o bispo Macedo... tem TV... milhões... tudo... Eu vou entrar para a Igreja Evangélica... Dá um granão... !" A única pessoa que tem dinheiro aqui é a tua filha... que, aliás, vive em baile funk... diz que é pozuda... não sei onde ela arranja tanta grana...

(O padre cai chorando na poltrona esfarrapada com a mola aparecendo. )

— Deus do céu!... Isso é um inferno!... (Soluçando.) Ontem cheguei... e a empregada estava cantando uns pontos de macumba com a cozinha cheia de velas... Umbanda na casa do padre? E a vizinhança ouvindo: "Evém, evém, Oxóssi atravessando  as matas! " Tem cabimento? Despede ela, já!

— Eu? Despedir?.. Nunca!... Empregada boa é difícil de achar... Depois, sei lá, roga aí uma praga... (Ele chora mais alto; ela se condói.)

— Meu querido... não quero te humilhar não... mas você tem de ter ambição... Quer ver uma ideia boa? Vamos abrir uma lojinha de objetos sacros... reliquiazinhas... água benta... a gente compra as garrafinhas e você benze... você não pode benzer? Ai, que lindo... a gente ganhava um dinheirão... santinhos... gravuras... CDs de música...

— Minha filha... eu não sou comerciante...

— Ahh... imagina, querido... uma lojinha linda, cheia de velinhas e, na porta, o nome: Presentes de Deus ou então... o nome em inglês, mais moderno: God's Gifts... ahh... Você subiria na carreira; já imaginou você bispo ou... oh, sonho louco!... você, cardeal... Nós dois em Roma... Você todo de vermelho... chiquérrimo... Nós, íntimos do papa?

— Silvaneide... ouve... ouve bem... eu tenho um segredo para te contar... Eu pensei muito, passei noites em claro e resolvi...

— Resolveu o quê, vai me largar? ...

— Não, querida, ouve!

(O pobre sacerdote começa a dançar, com os braços para cima e dando pulinhos pela sala.)

— Que é isso ? Enlouqueceu ?

— Silvaneide... minha filha... bata palmas para Jesus!!! (Chorando e rindo.)

Palmas para o Senhor, Silvaneide... Aleluia! ! Estou aprendendo a dancinha do padre Marcelo Rossi! ...Olha só... (O pároco-marido pulava e batia palmas, berrando. ) "Palmas para Jesus... ôôôô... palmas pro Senhor! " A Abigail, que você odeia, está me ensinando... olha só... (E pulava feito uma perereca do Senhor.) Palmas para Jesus!!!

E, então, dona Silvaneide, ex-pagodeira arrependida e ex-beata apaixonada, viu de novo o seu amor ali, pulando e cantando e agarrou-se feliz ao corpo do padre amado.

— Meu amor! ...Esse é meu homem! Vamos vencer! Já te vejo pulando diante de milhares de fiéis... vou fazer uma batina dourada pra você, com uma capa de roqueiro... Meu Rossi, meu Ozzy Osbourne, meu Xandi, meu Zeca Pagodinho... Deus é mais!!!

É, D. Paulo, talvez o celibato seja mesmo melhor que o casamento.

Amor é prosa; Sexo é poesia.Onde histórias criam vida. Descubra agora