As confissões sinceras de um ladrão brasileiro.

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"Gosto de ser ladrão, doutor. Esta palavra tem uma conotação feia, mas a origem dela é latrones, os sujeitos que ficavam na lateral, ao lado dos reis e príncipes. Minha origem é, portanto, ilustre. Não sou um ladrão de galinhas, mas confesso que roubava galinhas do vizinho e até hoje sinto o cheiro das penosas que eu agarrava, prendendolhes o bico para evitar cacarejos e ficou-me o gosto do terror de o vizinho aparecer e acho que virei ladrão pelo prazer desse medo. Já fui dono da CAG Ltda, que era da viúva de meu ex-sócio, que, em circunstâncias misteriosas, apareceu assassinado no Motel Crazy Love e que antes de morrer, que Deus o tenha, já tinha transformado a CAG em subsidiárias com sede em Miami, a Ass & Hole Inc., a Cock & Dick participações, geridas por um holding em Barbados.

"Hoje, não roubo por necessidade, doutor; é prazer mesmo. Nunca fui pobre, mas preciso da adrenalina que me acende o sangue na hora em que a mala preta voa em minha direção, cheia de dólares, quando vejo os olhos covardes do empresário me pagando a propina, suas mãos trêmulas me passando o tutu, ou quando o juiz me dá ganho de causa, ostentando honestidade, e finge não perceber minha piscadela-cúmplice na hora da emissão da liminar, todos sabujos diante de meu poder burocrático. Adoro a sensação de me sentir superior aos otários que me 'compram', eles se humilhando em vez de mim.

"Roubar é sexy, doutor. Dá tesão. Semelha um pouco às brincadeiras no porão onde eu e menininhos troca-trocávamos com pânico de um pai aparecer; roubar também me liberta, eu explico, me tira do mundo dos obedientes e me traz quase um orgasmo quando embolso uma bolada, o senhor já conheceu a alegria de andar com 300 mil dólares distraidamente dentro de uma ingênua pastinha e deixá-Ia de propósito ali no balcão da lanchonete, tomando um cafezinho sob a ignorância de transeuntes e pedintes que mal suspeitam que a salvação de suas vidas estaria ali, ao lado do açucareiro? E o prazer de sentir o espanto de uma prostituta, se você lhe arroja mil dólares entre as coxas, e vê sua gratidão imediatamente acesa, fazendo-Ihe caprichar em carícias mais sacanas? Conhece, doutor, a delícia de rolar em notas de cem dólares na cama de um hotel vagabundo, de madrugada, sozinho, comendo castanhas e chocolatinhos do frigobar, em uma cidade remota, onde rolou mais um financiamento de grana pública ? Conhece a delícia de ostentar honestidade em salões, para caretas inscientes que te xingam pelas costas, mas que te invejam secretamente pelas experiências que imaginam que você teve? Sabe do deleite de ver suas mulheres te olhando como um James Bond ao contrário, excitadas, pensando nos colares de brilhantes que poderiam ganhar de mim, o Arsène Lupin, charmeur, sorridente, pois todo bom ladrão é feliz e delicado, principalmente com as damas? O senhor não tem ideia, nesta sua obstinada integridade, do orgulho que temos, mesmo quando roubamos verbas de remédios para criancinhas, de aguentar o sentimento de culpa que bate em nossa consciência como mariposas numa janela e conseguir dominar a vergonha e transformá-la na bela frieza que faz o grande homem. O honesto é triste, doutor, a virtude dá úlcera, o honesto anda de cabeça baixa com baixos proventos, com uma vida limitada, sem conhecer o coração disparado, o gosto ácido da aventura, o honesto não sabe da santidade da sordidez, de onde contemplamos o mundo careta com desprezo.

"Eu sou especializado em bens públicos, doutor, é o que me dá mais tesão, saber que estou roubando todo mundo e ninguém, um dinheiro tradicional que já foi de tantas oligarquias. No Brasil, há dois tipos de ladrões, na elite é claro, não falo de 'carandirus'. Há o ladrão extensivo e o intensivo. O primeiro é aquele que vai roubando ao longo da vida política e, o fim de 30 anos, já tem Renoirs, lanchões, helicópteros, esposas infelizes e adquire uma respeitabilidade por seu roubo difuso, ganha uma espécie de título de barão ou conde e que, depois, pode se limpar nas artes ou na filantropia.

"Eu prefiro ser 'intensivo', doutor, me dá mais adrenalina, mais pá-pum, mais relâmpago, uma delícia, doutor, roubar como vingança contra passadas humilhações, dores de corno, porradas na cara não revidadas.

"E o prazer da lealdade entre criminosos, doutor, conhece? A telepatia das piscadas, dos códigos, a delícia do conto do vigário em dupla, quando um diz 'mata' e o outro, 'esfola'? Já viu, doutor, um capanga seu, um 'armário' mau, quebrando o dedo de um devedor dentro da sala, sob seu olhar, proibindo-o de gritar, enquanto o dedo estala sob a manopla do crioulão? E o diálogo oblíquo com algum assassino de aluguel, acertando os detalhes de um prefeito ou empresário a apagar? E o êxtase maior de ver uma execução, ver as súplicas de pavor, enquanto os matadores passam o fio de náilon em volta da garganta do boneco e puxam até ele cair, eu confesso que tive uma ereção vendo esta cena num terreno baldio, debaixo de uma placa de financiamento público, e depois tive a maravilhosa sensação de liberdade de chegar em casa no absoluto segredo do crime e beijar meus filhos vendo desenho animado na TV, indo depois tomar um grande banho na jacuzzi, protegido de tudo. 

"Olhe para mim, doutor. Eu estou no lugar da verdade. Este país foi feito assim, na vala entre o público e o privado. Há uma grandeza insuspeitada na apropriação indébita, florescem ricos cogumelos na lama das maracutaias. A bosta não produz flores magníficas? o que vocês chamam de 'roubalheira', eu chamo de 'progresso', um progresso português, nada da frieza anglo-saxônica.

"São Paulo foi construída com este combustível, Brasília foi feita de lindas ladroagens. Tudo que é belo e bom nasceu da merda. Esta é a tradição do Brasil, doutor

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