Meditações diante do bumbum de Juliana.

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Ultimamente só houve um assunto nesse bendito país: o bumbum de Juliana Paes na Playboy .O bumbum era esperado como um messias redentor, aguardado como a salvação do Brasil neste momento sem graça. Políticos, bancários, eu, todos ansiávamos por esse bumbum como por um Maomé, um profeta. O que poderia nos revelar esse bumbum? Corri para as bancas e comprei a Playboy sob o olhar debochado do jornaleiro que me reconheceu e perguntou se eu não ia levar o The Economist também. "Claro, claro...", respondi, vermelho. Chego em casa, rasgo a capa de plástico com as mãos trêmulas, abro com uma sensação de pecado e esperança, e vejo Juliana Paes em seu esplendor. Folheio a revista e caio numa perplexidade muda. Antes de continuar, devo dizer que já escrevi sobre o bumbum da Feiticeira, o bumbum da Tiazinha e continuo sem uma palavra apropriada.

Não há na língua portuguesa um termo corrente para essa parte do corpo. A palavra "bunda" tem uma conotação pejorativa, um substantivo já adjetivado de saída. Há eufemismos como "traseiro" ou metonímias como "nádegas", "glúteos" etc... Portanto, "bunda" é a palavra certa... Muito bem; com todo o respeito, a bunda de Juliana me deixou aparvalhado. Não sei se esperava muito; só sei que fui tomado por uma funda decepção. Não sobre a beleza da bunda, pois é muito bonita, sim, mas pelo choque de realidade que me trouxe. Afinal, verificamos que era apenas uma bunda e não um enviado de Deus, era apenas uma moça que nos parece gentil, romântica, bondosa como uma babá, mostrando o bumbum como um bebê recém-nascido. Ela sorri, parecendo dizer: "É só isso o que vocês queriam? Ora... pois aqui está minha bundinha...". Olhei o bumbum de Juliana por todos os ângulos, e nada aconteceu, sexual e filosoficamente. Confesso, Juliana, com todo o respeito, que imaginei cenas eróticas comigo mesmo, com outros e nada senti... Pensei: "Estou decadente, ou as uvas estão verdes..." Mas, não, não era isso. Bateu-me mesmo uma certa tristeza, de ver aquela moça ali, satisfazendo nosso desejo bruto e invasivo, esse povo de onanistas e sodomitas sempre desejando a mulher por trás. Senti um vazio ao ver um segredo revelado, estragando com sua nudez meridiana a glória da moça da novela. Algo como água fria num sucesso, algo como a traição contra Zeca Pagodinho, no auge de sua ascensão. O mercado estraga o prazer, programando-o. Toda a
beleza do mito é justamente seu mistério inacessível, seu enigma não decifrado. Juliana da novela não é só sua bunda.

Ela é a doce ingênua do subúrbio, a moça generosa, dadeira, mas honesta, com seu rosto redondo de brasileira, com largos quadris de boa mãe leiteira. Sua nudez não tem a norma perversa das playmates típicas. Falta-lhe a crua perversão das outras, gatas ferozes prometendo sexo selvagem. Não. Juliana tenta rostos sacanas, mas só passa uma doçura incontrolável, faltando-lhe a catadura zangada das punks ou sadomasoquistas. Daí, me bateu a verdade inapelável e cruel: a bunda não existe. Só existe a "ideia" de bunda, o conceito platônico de bunda. Isso. No caso de Juliana, o bumbum real destrói o bumbum imaginário. Sempre sonhamos com aquele bumbum adivinhado sob os vestidos na novela e ele tinha a multidimensão rica de uma metáfora. Ele era todos os bumbuns, ele era uma promessa de vida em nossos corações. Mas, diante do bumbum real, a vida perdeu o mistério, tudo se aquietou na paz da anatomia óbvia. Vemos, com clareza e realismo, que é apenas um bom bumbum brasileiro, que um dia cairá, como o PT. Por isso, me pergunto por que a bunda é nosso símbolo? Para os anglo-saxões são os seios, leiteiros, alimentícios. O bumbum para nós, ibéricos, é menos inquietante que a vagina; essa nos lembra fecundidade, essa nos coloca diante da responsabilidade da criação da vida, e até dos perigos da devo ração pela fêmea dentada e potente. A vagina é um pênis embutido; a vagina é o "ouro" e merece respeito. Já o bumbum, por infecundo, a reboque do corpo, tem uma imagem mais propícia para sacanagens sem perigo, além de ser uma herança do homossexualismo deslocado dos senhores portugueses diante da negras zulus nas senzalas.

Por isso, afirmo que o bumbum de Juliana é uma bunda romântica, familiar. No caso de Tiazinha ou da Feiticeira, a bunda tinha vida própria. Era mais importante que as donas. Muitas mulheres de bonitas bundas chegam a ter ciúmes de si mesmas e têm uma atitude envergonhada de suas formas calipígias. A mulher de bunda bonita caminha como se fossem duas: ela e sua bunda. Uma fala e ninguém ouve; a outra cala e todos olham. A mulher de bunda bonita não tem sossego; está sempre autoconsciente do tesouro que reboca. A mulher de bunda bonita mesmo de frente está sempre de costas. A mulher de bunda bonita vive angustiada: quem é amada? Ela ou sua bunda? Algumas bundas até parecem ter pena de suas donas e quase dizem: "Olhem para ela também, ouçam suas opiniões, sentimentos... Ela também é legal...". A bunda hoje no Brasil é um ativo. Centenas, milhares de moças bonitas usam-na como um emprego informal, um instrumento de ascensão social. A globalização da economia está nos deixando sem calças. Sobrou-nos a bunda... nosso único capital.

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