Chega dessa coisa de interpretar todo dia as mentiras e charadas sórdidas do ano eleitoral. Danem-se. Falo hoje de pequenas coisas. Falo de "nada", como as geniais histórias do "Seinfeld", sobre as bobagens irrelevantes que comandam a vida "pósmoderna" (arrgh...). O homem de hoje tem uma ridícula "liberdade" para nada, para comer sanduíche em lanchonete e acreditar em mentiras.
Quais são as bobagens atuais que mais odeio?
Há muitos anos, vi que a "pós-modernidade"(ufff...) estava começando no dia em que percebi que haviam modificado a caixa grande dos Chicletes Adams (uma cor-de-rosa e outra amarela), que tinha uma janelinha de celofane, através da qual se viam os chicletinhos chacoalhando. Notei, assustado, que a janela original fora trocada por uma falsa abertura: um desenho de janela com os chicletinhos. Terrível, não? Algum executivo canalha tinha cortado despesas com a doce janela por onde se viam as balinhas frescas como a brisa. Isso me preocupou.
Voando no tempo, ando hoje pelas ruas do Rio e de São Paulo. No Rio, ainda olhamos para a natureza, mas em São Paulo, olhar o quê? Todas as paredes são ocupadas por pichações. Me espanta que a prefeitura não faça nada. Cada monumento, cada coisa bela, está destruída por um garrancho sujo. Os grafites não dizem nada; são marcas irracionais para frustrar nossa fome de sentido e destruir a beleza. Milhares de jovens gastam energia pela madrugada para se vingar das cidades que os excluem. Tenho às vezes fantasias de sair à noite com metralhadora para dizimar os destruidores do visual. Já pensei até em sugerir a proibição das latinhas de spray...
Fico alucinado quando ligo para uma firma e a telefonista pergunta-me: "Quem deseja?"
Tenho ganas de gritar: "O ser humano deseja, diria Lacan, e eu sou uma máquina desejante, como quis Deleuze!" Mas ela continua: "Dr. fulano não se encontra!" Como? Dr. fulano está em crise? Caído em desgraça, ele "não se encontra mais?". Fico doido quando vejo a coisa mais feia que existe em São Paulo, nos postos de gasolina e nas oficinas. Adivinhem o quê? Aquele boneco imundo feito de câmaras de borracha, com uma maquininha de ar soprando dentro e que fica esperneando em frenesi incessante na beira das ruas.Já viram? É o monumento à poluição. E o maluco que pendurou quatro bonecos enforcados num outdoor da avenida Bandeirantes? Ninguém tira? São Paulo está fazendo mal à saúde. Saia na rua e tente ver alguma coisa bonita... Mulher não vale. E celular com musiquinha? Você está no aeroporto e, súbito, a seu lado toca Jingle Bells ou Pour Elise no bolso de um babaca executivo. Por que não fazem um celular que aperta o saco do usuário? Ele daria um gritinho e gemeria baixinho: "Alô?" E o irritante mundo dos garçons simpáticos? Sempre que eu peço um guaraná, lembro das belas frutinhas amazônicas da minha adolescência. E ouço, invariavelmente: "Com gelo e laranja?" Por quê? O meu guaraná indígena não basta? O leitor pensará: "Por que então não pedes logo sem gelo e sem laranja?" Respondo que sempre tenho a esperança de encontrar um old timer que me pisque o
olho e faça a bela pergunta antiga: "Da Brahma ou da Antarctica?".Também sofro muito quando desço no Rio e vejo o Santos Dumont, o mais lindo dos aeroportos, com suas esguias pilastras de mármore ocultadas por placas horrendas berrando: "sanitários", "balcões", "telefones". Tudo imenso, desnecessário, destruindo a perspectiva do imenso e branco saguão.E meu humor piora quando saio no Aterro e vejo a ondulante skyline do Centro do Rio com os edifícios cobertos de anúncios imensos da L'Oréal, de firmas de informática, até de filmes americanos, destruindo nosso perfil urbano. O Cesar Maia tinha dito que proibiria, mas nada faz nessa segunda gestão.
Me enlouquece ver os times de futebol com anúncios no peito dos jogadores. Sou um babaca romântico, claro. Mas os times heroicos vendendo Hyundai e Kalunga me matam. Sou um pobre paranoico, bem o sei, mas não dá mais para aguentar taxista malufista dizendo: "Ele rouba, mas faz viaduto." Antes, eu paternalizava o cara... "Coitado, não estudou". Hoje, eu faço comício no banco de trás feito um palhaço e já cheguei a saltar de um carro em que o cara dizia que o Quércia salvou São Paulo. Estou no caminho do hospício, bem o sei. Ahh... detesto binas. É. Bina é a máquina secreta que te delata, que acaba com tua privacidade nos celulares alheios. Não há mais a surpresa para a mulher amada, não há mais uma consulta anônima, nem um pobre trote. "Ah... é você? Depois, eu ligo..." O bina acabou com o anonimato dos canalhas e amantes.
Odeio gadgets ridículos como palmtops, desses que "se conectam com a Internet através de um celular com rádio, video game e uma telinha de TV com as cotações da Bolsa e a previsão do tempo no mundo". Por que não vão para a p.q.p. com essas merdinhas inúteis? Repugnam-me células fotoelétricas em bicas de banheiros chiques. Você mete a mão ensaboada debaixo de uma bica dourada e a água não sai. Você tenta de novo... nada... até que o faxineiro te instrui a posição certa, esperando gorjeta; a água jorra e para, antes de lavar o sabão cor-de-rosa ou cor-de-diarreia. Já vi uma privada que soltava a descarga assim que você levantava... um horror.
Tenho nojo de papel higiênico folha fina, que se esgarça entre as unhas, abomino e-mails em cascata, com as piadinhas da hora, tenho asco de pequenas porcarias, besteirinhas que me tiram do sério, como pressa no engarrafamento, gente dizendo-me "bom descanso" ou "bom trabalho", pagode careta, casais que casam e separam na Caras, novas apresentadoras de TV e, pasmem, não aguento mais bunda. Isso, não aguento mais ver bunda em toda parte, anúncios, outdoors, revistas... O maior marketing do país é feito pelas bundas... Santo Deus, que será de mim?
A paranoia está batendo...
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Amor é prosa; Sexo é poesia.
RomanceOs textos de Arnaldo Jabor têm o poder de despertar, inquietar, polemizar. Ácidos, líricos, deliciosamente vorazes, estão sempre sintonizados com os assuntos que mexem com a vida dos brasileiros e brasileiras. O livro Amor é Prosa, Sexo é Poesia reú...