O amor dos anos 60.

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Eu sou do tempo em que as namoradas não davam.

É. Estou enojado dos dias de hoje, nesta torpe função de comentarista, em que as notícias batem-me na cara como pedras. Estou cansado. Volto o passado, sugado por um túnel de flashbacks. Pois é; as namoradas não davam.

A pílula foi a maior revolução cultural dos anos 60, pois as meninas, com pavor de engravidar, deixavam quase tudo menos o principal, e os rapazes iam para casa com dor nos rins e perpetravam masturbações feéricas, ejaculando nos banheiros como foguetes à lua.

Os meninos de hoje vivem em haréns. Estes "pequenos canalhas" que eu tanto invejo torcem o nariz para deusas de 18 anos, entediados, enquanto, no meu tempo, quantas meninas eu tentei empurrar para dentro de apartamentos emprestados, ficando elas empacadas na porta, quantas unhas quebradas em sutiãs inacessíveis, quantas palavras gastas em cantadas intermináveis, apelando para Deus, para Marx, para tudo, desde que as saias caíssem, as blusas se abrissem, as calcinhas voassem. Não havia motéis, então.

Namorávamos em qualquer buraco: terrenos baldios, cantos da praia de noite; eu confesso que já "amassei" uma namorada dentro de uma grossa manilha encalhada na praia de Ipanema. Os carros eram poucos e deixavam um rastro de silêncio depois que passavam. Havia menos gente. Acontecia menos coisas. As pessoas eram mais individualizadas — fulano, sicrano, rua tal, número tal, bar tal, comida tal, um dia depois do outro... Havia tempo para o tempo passar. Mas deixemos de filosofias e fiquemos na sacanagem. Minha primeira namorada não era mais virgem. Era uma raridade. Era uma morena febril, agressiva, que dirigia uma Rural Willys do pai. Eu, que vivera até então na horrenda divisão entre puteiros e romances líricos, entre lágrimas e baldes de despejo, achei que ia começar meu primeiro amor adulto. Mas acontece que minha namorada resolvera reconstituir sua virgindade, recusando-se a perpetuar comigo seu "erro" do passado. Arrependera-se de ter cedido uma única e sangrenta vez ao "canalha" que me antecedera e, depois de lágrimas em confessionários, resolvera manter sua pureza intacta.

Para mim, foi um calvário de desejo insatisfeito. Na Rural Willys do pai dela, quase tudo era permitido, mas tudo sôfrego, apavorado, desespero e gozos no ar, ejaculações no painel — nada terminava. O apartamento era a grande esperança; se a menina entrasse, depois era mole. O problema era entrar.
"Não, não adianta, Arnaldo, aí eu não entro! ..." Eu, jovem comuna, tinha a chave de um "aparelho" secreto do Partidão, ali na rua Djalma Ulrich, com um sofá-cama rasgado com o algodão aparecendo, onde eu, da "base" cultural da UNE, tentava levar, sem sucesso, menininhas de esquerda, com triplo medo: sentimento de culpa, medo de broxar e de ser apanhado pelos comunistas caxias. "Não. Aí eu não entro!", gemia minha namorada. Eu tentava argumentos que iam de Sartre e Simone até a revolução. "Mas, meu bem... deixa de ser alienada... A sexualidade é um ato de liberdade contra a direita..." E ela: "Não entro! Isso seria também uma indisciplina pequeno burguesa.", "Mas, meu anjo", eu suplicava, não há essência, só existência..." "Inclusive", disparei, "você tem que assumir que não é mais virgem! " E ela, com boca de nojo: "Eu sabia que você ainda ia jogar isso na minha cara!!! " E fugia pelas escadas. O medo era a barriga, medo que a pílula matou anos depois, mas , era medo também de um labirinto de liberdades assustadoras, de apego a vestidos de debutantes, organdi branco, a véus de noiva esvoaçando nas almas românticas. Ninguém dava. As poucas que o faziam eram apontadas pelos rapazes, com suspeita, um respeito desconfiado. Quantos teriam coragem de casar com elas! Lembro de uma menina da universidade que entrava num transe meio epiléptico, de olho virado em alvo, que "dava" num sacrifício ritual de gritos e choros do qual acordava sem lembrar de nada... Era um sucesso entre comunas caretas, uma espécie de "louca da aldeia". Por isso, homens falando em "liberdade" viviam em rendez-vous e em aventuras com mulheres casadas, infelizes matronas (uma que levei ao "aparelho" chorava pelo marido militar e gemia de vingança: "Ele odeia
comunistas... ahh... se ele soubesse..."). Ou então eram pobres empregadas carentes, lúmpens de rua ( como se dizia); um companheiro nosso papou até uma cega do Instituto Benjamin Constant. E havia também o recurso a mulheres turistas e estrangeiras. Um comuna amigo meu traçou uma funcionária do Consulado americano, a quem ele obrigava a chamá-lo de Fidel Castro (esse já foi até ministro...).

Tudo era complicado, proibido, ao som do rock e bossa nova. Éramos assim em 1962. Aos poucos, melhorou... Em 63, conheci minha primeira grande paixão, minha vertigem e cegueira, pois, antes da pílula e sem recuos, ela adentrara gloriosamente o "aparelho" secreto do Partidão na rua Djalma Ulrich e, em meio a livros da Academia de Ciências da União Soviética, sob um pôster de Lenin e uma reprodução dos Girassóis de Van Gogh, "dera" para mim com amor e coragem. Foi um raio de triunfo em minha juventude. Lembro até hoje que, lá embaixo, na loja de discos, tocava o sucesso da época, "Chove chuva, chove sem parar...", com Jorge Ben ( ou seria "Bicho do mato"?). Não sei. Mas até hoje guardo na alma aquela tarde mágica e revolucionária de 63, com música do Jorge ao fundo, com a mulher com quem vivi até 69, ano em que ela resolveu me abandonar por outro, quando o grande sucesso musical era também de Jorge Ben: "Sou Flamengo e tenho uma nega chamada Thereza...", o que fazia esse jovem comuna chorar pelas ruas, ao ouvir seu nome nos rádios e nas esquinas...

Amor é prosa; Sexo é poesia.Onde histórias criam vida. Descubra agora