Capítulo XIII - Confronto

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- Você está se saindo muito bem, Alice. - O fisioterapeuta comentou animado.

- Também sinto isso. - Ela respondeu com um sorriso nos lábios.

- Nas últimas semanas seu corpo tem apresentado avanços maiores do que o esperado. - O homem explicava enquanto manuseava as pernas da mulher, finalizando outra série de exercícios. - O mais importante, Alice, é que você está demonstrando que quer voltar a ter uma vida normal.

A jovem não respondeu. A última frase do homem a deixou inquieta. Nunca tinha passado pela cabeça de Alice que a recuperação de seu organismo dependesse de sua força de vontade. Ela tinha vontade de recuperar-se, com certeza, e sabia muito bem que a raiva que vinha sentindo de Channing contribuira bastante para sua dedicação durante as aulas. Exercitar o corpo nunca parecia ser demais para ela, na verdade, manter-se ocupada com outras coisas, ter a mente cheia, ajudava-a na tarefa de esquecer a irritação e a dor.

- Acho que preciso de outra consulta com a Dra Maylor. - Alice comunicou à Lois. - Poderia pedir que viesse amanhã?

A governanta sorriu amavelmente para Alice. Após a conversa que tiveram na cozinha, algumas semanas atrás, Lois percebeu o distanciamento da jovem, que, pouco a pouco, isolava-se no quarto ou na biblioteca. O apetite da outra também havia mudado, tornando-se escasso. A realidade tinha caído sobre Alice como uma cortina pesada que despenca sem aviso, fazendo algum estrago em volta. 

Desta vez, Channing continuava por perto, em silêncio, observando-a com atenção, ciente das necessidades e esperando que ela voltasse a falar com ele, ou olhar em seus olhos. O ator concentrava-se em estudar alguns roteiros, e, quase sempre, permanecia no escritório. Ele sabia que Alice precisava de um tempo para controlar a enxurrada de emoções dentro de seu peito. Tinha consciência que ela não tinha um lugar aonde se esconder, ou pessoas com quem contar naquele momento. Algumas vezes considerou procurar pela mãe dela, ou outro familiar próximo, mas as palavras de Alice fizeram com que ele deixasse aquilo de lado.

- Você não vai procurar pela minha família. - Ela falou, numa tarde, após dias de silêncio. - Eu não quero que eles venham, não quero que eles saibam.

- Alice... - Ele chamou com voz baixa. - Alguém precisa saber de seu estado.

- E pra que? - Ela perguntou. - Não vou ser vista assim, quebrada e desamparada!

- Você não está desamparada! - Ele disparou.

- Oh, desculpe. Apenas quebrada então? - A raiva nos olhos da mulher intimidante.

- Você precisa de apoio. - Channing insistiu.

- Não! - Alice gritou. - Aliás, você prometeu me apoiar. Lembra-se?

- Sim. - Ele anuiu. - Prometi e estou cumprindo com a minha promessa.

Alice fechou os olhos com força e soltou uma risada amarga. Estava sentada no sofá da sala de estar, mas a cadeira de rodas estava longe demais para que alcançasse sozinha, e ela não queria pedir a ajuda do homem à sua frente. Ela não saberia dizer porque começou com a discussão, afinal, o outro estava apenas de passagem, de seu escritório até a cozinha. Channing não sabia que Alice estava na sala de estar àquela hora, normalmente ela permanecia no quarto depois de certo horário para evitar vê-lo.

- Você está permitindo que eu desfrute da sua riqueza e conforto. - Ela divagou. - Isso não é apoiar. Apoio é outra coisa.

As palavras proferidas por Alice magoaram Channing profundamente, e ele não havia deixado transparecer seus sentimentos. Ele vinha esperando o momento em que a bolha de proteção da jovem rompesse, mas quando aconteceu, foi pego de surpresa. Ele não esperava que acontecesse assim, sem aviso prévio. Refletiu diariamente na conversa que tiveram e quando soube por Lois, semanas depois, que Alice havia pedido uma consulta com a terapeuta, seu coração teve algum alívio, pois ela, finalmente, estava se abrindo. Ele torcia para que ela se recuperasse logo, ela precisava se recuperar. Este era o pedido dele em todas as orações que fazia, a recuperação de Alice.

- Como se sente hoje, Alice? - Dra Maylor perguntou assim que entrou na biblioteca. - Faz algum tempo que não nos vemos.

- Me sinto bem, de forma geral. - Alice disse. - Mas também me sinto irritada.

- Por que? -  A mulher ruiva quis saber. - Você não estava irritada antes.

- Eu sei! - Alice pareceu chocada. - Eu só... Estou com tanta raiva! E com essa raiva vem a irritação.

A doutora acomodou-se numa poltrona confortável, que fora posicionada de frente para o sofá de dois lugares em que Alice havia sido acomodada. A cadeira de rodas estava do outro lado do cômodo, próxima à porta de entrada da biblioteca. Aquele ambiente era confortável, e Alice gostava de estar rodeada de livros, que eram sua paixão. Como escritora, tivera boas inspirações durante o período que estivera ali. Fez muita pesquisa e enriqueceu o projeto que tinha em andamento, e, por isso, sempre que podia, estava na biblioteca.

- Do que você tem raiva?

- De tudo! - Exclamou. - Sabe que não posso andar, não é?

Maylor anuiu com um movimento de cabeça.

- Isso não é motivo suficiente? - Suspirou. - Estou entrevada, não posso fazer praticamente nada sozinha!

- Mas tive acesso aos seus relatórios médicos, e neles temos informação de progressos enormes!

 - Sim, estou progredindo, mas não andando outra vez. - Alice insistiu. - Eu odeio isso! Odeio estar aqui... Assim.

A médica observou a jovem por algum tempo e fez algumas anotações em seu prontuário.

- Como ele pôde fazer isso comigo e depois agir como se eu não existisse? - Alice continuou. - Pagar pelo meu tratamento é um gesto de humanidade! Não fugir depois do acidente foi assumir a responsabilidade! Oferecer a casa, foi um pouco exagerado, mas eu não teria para onde voltar mesmo... Isso é tão...

- Confuso?

- É!

- E você já pensou que pode ser assim para ele também? - Maylor questionou.

- Você não está aqui por ele, está aqui por mim! - Alice reclamou.

- Estou aqui pela sua sanidade. - A ruiva corrigiu. - É bom que você esteja libertando os sentimentos que bloqueava, mas, uma situação tem várias facetas.

- Eu não sentia raiva antes! - A jovem gritou. - Eu não sentia nada! Eu não sentia! E agora, tem todos esses sentimentos por...

- Por? - A médica pressionou.

- Ele... - Alice admitiu, apontando para Channing, que havia acabado de entrar na biblioteca.

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