Capitulo XIX: sangue nas mãos.

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Catarina Valença

Voltamos para a estrada, ou melhor, para o deserto e seguimos a caminha do saqqara. Lucila falou algo sobre o amigo morto dela ter mandado que fossemos pra lá, eu não acreditava muito nisso, mas com hades preso é bem possível que os mortos estejam conseguindo contatar os vivos. Quando paramos para comer e descansar, ela se sentou longe do grupo, depois de algum tempo eu fui até lá. Ela estava mexendo na pedrinha verde, quando ela percebeu que eu me aproximava colocou-a dentro do bolso.
-oi!-eu disse sentando ao lado dela.
-oi.
-hã... Obrigada pelos livros.
- não agradeça, sei que fui rude, era o mínimo que eu poderia fazer pra me desculpar.
-você me trouxe bons livros-sorri pra ela.
-bem...-ela riu baixinho- eu peguei os primeiros que vi.
-eu já imaginava isso! Mas eles são muito uteis, falam sobre os deuses egípcios, sobe objetos sagrados dos egípcios e tem um monte de hieróglifos, e... Eu queria saber... se você me emprestaria essa pedra-ela ficou tensa -é só que...eu quero ver se acho algo nela, alguma inscrição ou algo do tipo...mas se você não qui...
-tudo bem-ela tirou a pedra do bolso e estendeu para mim.
Obrigada-peguei a pedra, ela levantou e foi pra perto dos outros me deixando sozinha.
Fui pra minha barraca, pesquisar sobre ela. A pedra era arredondada e achatada, de um verde musgo translucido, não havia nada gravado nela, ela era completamente lisa. Não encontrei nada sobre ela nos livros. Eram livros grandes e grossos com folhas finas e amareladas e capas de couro velho.
-tudo bem ai?-disse Júlio entrando na minha barraca.
-não! Nada bem! Eu não consigo encontrar nada sobre essa pedra.
-talvez tenha em algum outro livro que ficou lá!
-acho que não, esses livros tem tudo sobre o Egito e quando eu digo tudo, é TUDO mesmo!
-OK- ele ficou serio-com quem lucila disse que encontrou essa pedra mesmo?
-um cara que estava na biblioteca deu a ela, o cara que foi decapitado!
-ela não lembra o nome?
-não! Mas não importa mais, ele está morto.
-será que não é outra armadilha?
-pode até ser, mas se for, nos livraremos dela, como nos livramos das ultimas!
-tudo bem-ele sentou-se na minha frente- me passe um desses livros, talvez você tenha deixado algo passar.
-como se isso fosse possível-bufei.
Continuei a procurar por algo junto com Júlio, mas não encontramos nada. depois de um tempo fui dormir, e acordei com um "acorda caramba'' da lucila sendo gritado na minha cara, quando levantei achei que já havia amanhecido mas quando sai da barraca percebi que a vegetação rasteira que havia por ali e a barraca de Elizabeth estavam em chamas. Estávamos sendo atacados por flechas em chamas e bolas e chamas lançadas de longe.
-de onde esta vindo isso?-gritei para ninguém em especial, só queria respostas.
-se eu soubesse, eu já tinha ido lá e feito parar! Agora pegue sua espada e haja!
E foi ai que tudo piorou, fomos cercados por todos os lados, haviam umas cinquenta pessoas se aproximando e nós éramos apenas seis. Todos eles tinham espadas e usavam roupas como no Egito antigo. Um deles se aproximou mais rápido, enquanto os outros pararam.
-rendam-se e aceitem uma morta rápida e indolor!-ele disse.
-não vai rolar camarada!-Júlio retrucou.
-então não os perdoarei-ele partiu pra cima de Lílian-morra para a gloria de Osíris -Júlio o interceptou e o atravessou no peito com sua espada, sangue escorreu do seu ferimento, e ele caiu no chão, uma mancha vermelha se espalhou pelo chão do deserto.
-eles são humanos!-Lílian falou horrorizada.
A única opção que tínhamos era lutar, matar ou morrer. Então matamos, matamos humanos como mataríamos monstros, só que ao contrario dos monstros eles não viravam pó ou sumiam, eles apenas caiam no chão, e o sangue escorria para fora de seus corpos, assim como suas vidas. Todos eles tinham rostos, cada um diferente do outro, e eu via o rosto de cada um que me atacava, e via a expressão que faziam quando eu os acertava, seus olhos perdiam o foco, toda a raiva e motivação que haviam neles sumiam.
Não sei se matamos todos, ou se alguns fugiram, quando pararam de nos atacar estávamos cobertos de sangue, qual parte era nossa e qual era dos inimigos eu não sabia dizer. Matamos pessoas... De heróis a assassinos em uma noite.
-o que faremos agora?-Elizabeth perguntou.
-temos que ir embora! Descobriram que fugimos, podem aparecer mais a qualquer momento!-eu disse.
-ainda esta escuro, esta frio e estamos feridos, não podemos ir agora!-protestou Lílian.
-cinco minutos! Temos cinco minutos pra arrumar tudo e partimos- fui em direção ao que sobrou da minha barraca tentando não pisar nos corpos, tentei limpar o máximo de sangue que eu consegui para poder saber a extensão dos meus ferimentos, nada muito grave graças aos deuses, apenas alguns cortes rasos, mandaram pessoas sem treinamento para a luta. Juntei minhas coisas e me juntei aos outros, também sem ferimentos graves.
-teremos que continuar a pé, os cavalos fugiram!-disse kaleb.
Tudo bem-disse desanimada-prontos?
Se ainda tivéssemos cavalos demoraríamos pouco mais de dois dias para chegarmos, mas agora que estávamos novamente a pé, seria bem mais difícil. Insolação, desidratação, queimaduras, só mais um dia normal no deserto. Estávamos cansados, famintos e sonolentos, mas não podíamos parar mais que alguns minutos para beber agua e comermos alguma coisa. Quando a noite caiu paramos para descansar, todos mal deitaram e já pegaram no sono, eu ficaria acordada de guarda no primeiro turno, poderíamos ser atacados novamente a qualquer instante, eu não seria pega de surpresa mais uma vez.
-as aventuras não são sempre divertidas como nos filmes né- disse Júlio sentando ao meu lado trazendo agua e um cobertor, as noites no deserto são tão frias, andávamos cobertos o dia inteiro para evitar queimaduras e a noite a quantidade de roupa que usávamos ajudava contra o frio, mas mesmo assim ainda era quase insuportável.
-quando temos que assassinar pessoas-bebi um pouco da agua- não é, nenhum pouco!
-você esta muito mexida com o que aconteceu!
-você não? Nós matamos pessoas Júlio, pessoas como nós.
-eles eram os inimigos!
-eram? Como você pode ter certeza? Eles estavam apenas lutando pelo que acreditam! Assim como nós. Para eles, nós éramos os inimigos. Quem garante que não somos nós que estamos lutando pelo lado errado?- isso tudo estava acabando comigo, matar pessoas, todas elas tinham famílias como nós, amigos, pais.
-eu não sei! Eu apenas sinto que estamos lutando pelo lado certo.
-sentir não é o suficiente!
-talvez não!-Júlio suspirou pensativo- estamos indo em direção a toca do lobo.
-não tem como derrota-lo se não formos ao seu encontro.
-eu sei! Mas como ter certeza que não é uma armadilha?
-com certeza é uma armadilha! Eu tenho certeza que ele esta esperando por nós, se não, ele teria se escondido melhor ao invés de ter ficado no mundo mortal e ter deixado se localizado tão fácil.
-como sabemos que ele realmente esta lá?
-não sabemos, apenas confiamos no que lucila disse. O cara que deu a pedra a ela disse a localização, por que ele mentiria? Considerando que ele foi morto pelos egípcios, se fosse um deles ele ainda estaria vivo.
-esse é um bom ponto! Mas talvez ele não soubesse o que nos espera mais na frente, uma morte lenta e dolorosa.
- só saberemos o que vai acontecer, quando acontecer. Ficar nos enchendo de duvidas e situações prováveis não vai nos ajudar em nada.
-acha que conseguiremos derrotar ele?
-nós temos que conseguir!
-seis adolescentes mortais contra um deus imortal, um deus da morte imortal.
-cinco adolescentes- eu o corrigi- essa não é a luta de kaleb, não podemos envolve-lo.
-precisamos de toda a ajuda que conseguirmos.
-ele já nos ajudou o suficiente, é nossa batalha, de nós cinco-ele ficou em silencio.
-por que nos fomos escolhidos?-Júlio perguntou - sete bilhões de pessoas no mundo e por que nós? Se nós somos descendentes dos filhos dos deus, nó com certeza não somos os únicos. Então por que justo nós? Tá que eu sempre quis um pouco de aventura, mas pensar que eu posso morrer de verdade por causa dessa aventura é aterrorizante. E quero ver meus pais de novo, meus amigos da escola, assistir as chatas aulas de matema...- eu o abracei interrompendo-o.
-eu também estou com medo-suspirei- mas nós vamos conseguir, vamos conseguir juntos. Vamos voltar para casa, para escola e pras nossas famílias, vamos conseguir
Júlio que sempre havia sido tão forte se deixou desmoronar por um instante, eu também estava com medo, mas a preocupação de deixar tudo sobre controle o deixa encoberto, pensa que eu posso perder tudo é aterrorizante, e pensar que todos nós poderíamos é pior ainda, cinco vidas, cinco pessoas, cinco famílias, todas as pessoas que perderíamos se fracassássemos, todas as pessoas que nos perderiam. Mas eu darei um jeito de conseguirmos vencer, iriamos ser heróis, voltaríamos para casas e retomaríamos nossas vidas. Faz um bom tempo desde o dia que entramos naquele restaurante. O que será que havia acontecido aquele dia depois que não voltamos para casa? Chamaram a policia? Procuraram em hospitais? Necrotérios? Será que ainda estão procurando? Não queria deixar minha mãe preocupada, mas também estou preocupada com ela. Será que ela esta dormindo agora? Ou esta acordada na sala me esperando entrar por aquela velha porta de carvalho? Como devem estar as mães dos outros, toda a família? Todas as dez famílias? Onze crianças sumindo no mesmo dia e no mesmo local era muito estranho, mas eles não fazem ideia do quão estranho é. Será que estão todos juntos á nossa procura? Será que se conheceram?
-Catarina?- a voz de Júlio m trouxe de volta do meu devaneio-você me ouviu?
-pra ser sincera não!-sorri- o que você disse?
- eu disse pra você ir dormir, eu ficarei de guarda.
-eu não estou com sono!
- esta sim Catarina Valença, eu te conheço, pode dormir, eu te acordo mais tarde pra você ficar de vigia mais um pouco!
-promete?
-prometo!
-ok, boa noite!- eu disse enquanto deitava no chão do deserto, o chão não é o lugar mais confortável de se dormir. Mas eu estava com tanto sono que dormi como se fosse uma cama cheia de travesseiros de plumas.
Júlio não me acordou, me deixou dormir toda a noite, pelos meus cálculos chegaríamos ao saqqara pela madrugada ou assim que o sol nascer, isso se não pararmos, mas eu acho que não é uma opção, nós já não parecíamos os mesmos que chegamos naquele restaurante, estávamos magros, queimados de sol, com a pele descascando, lábios secos e rachados, mãos calejadas pelo manuseio da espada. Não parecíamos às mesmas pessoas que foram colegas por uma semana naquela ilha, e realmente não éramos.
Todos já estavam sentados e comendo.
- o que eu não daria por um copo de leite ou uma fruta- disse Elizabeth depois e mastigar um pedaço de pão sírio, havíamos enchido nossos estoques com os medjai.

-onde estão lucila e Júlio?- perguntei sentindo a falta deles.
-foram caçar!-respondeu Lilian.
-caçar no deserto e sozinhos? E se eles se perderem? Não acredito que não os impediram!
-eles não vão se perder!-disse kaleb- não foram muito longe!
-ah... kaleb... Estamos perto de encontrar Anúbis, acho eu você deveria voltar para o seu povo!
-como? Ele não vai voltar sozinho todo esse caminho! Ainda mais a pé! Não mesmo.
-Elizabeth não posso pedir que ele fique e lute nossas batalhas.
-e não pode manda-lo ir embora para tão longe a pé e sozinho! Quanto tempo demoraria para ele chegar em Alexandria a pé? Nem pensar! Ele não vai! Ele fica!-kaleb se mantinha calado.
-Elizabeth entenda...
-trouxemos ovos-gritou Lucila de longe.
-de que animal são esses ovos?-perguntou Lílian, eles eram pequeninos.
-eu não faço a mínima ideia!- disse lucila parecendo não se importar muito com o progenitor dos ovos.
-mas como iremos cozinha-los ou frita-los, não trouxemos panelas.
-droga-ele disse triste, acho que ela não tinha pensado muito nisso.
-todo esse trabalho por nada-disse Júlio se sentando- me da um pão por favor!
-tudo bem- disse lucila e colocou os ovos em um canto e se sentou ao lado de Júlio- o que vocês farão primeiro quando voltarem pra casa?- ela ficou triste repentinamente.

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