Parte IV - A promessa

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- O que você ainda está fazendo aqui? Por que não subiu ainda? – aquela voz grossa e violenta fez a pele de Thomas arrepiar.

"Eu sou o próximo", Thomas pensou assustado.

Inseguro demais para responder qualquer coisa o garoto fechou os olhos com força, esperando o pior, tentando inutilmente não pensar em como seria a dor.

O som estridente dos passos de Sir William se aproximando fizeram o coração de Thomas acelerar, inevitavelmente ele se lembrou de todas as vezes que Lucille apanhou em seu lugar, dos hematomas em suas costas e de todas as expressões de dor, como ela resistia a isso?

Simples. Ela era forte, ele um fraco.

- Pai! – a voz firme de Lucille se fez presente.

Thomas olhou sobressaltado para trás e viu a irmã parada na escada com seus longos cabelos negros balançando com o vento que adentrava na casa, ela parecia um anjo, e por alguns segundos eles se observaram.

Lucille estava com aquele olhar confiante que demonstrava sempre que o protegia de alguma coisa, que sempre exibia quando acariciava os cabelos dele e sussurrava em seu ouvido que tudo ficaria bem.

O sorriso que sempre o deixava esperançoso em relação ao futuro. Um futuro onde ele sonhava que seriam livres e felizes.

- Volte lá para cima! – William gritou trazendo Thomas de volta para a realidade triste em que ele e sua irmã viviam.

E naquela hora Thomas se sentiu um tolo por ter ficado feliz naquela manhã em saber que o pai havia retornado.

- O que pensa que está fazendo? – Sir William voltou a erguer a voz quando Lucille desceu as escadas e se posicionou na frente de Thomas. – Não me ouviu?

- O que você fez com a mamãe? – Lucille perguntou, ignorando a fúria que crescia nos olhos do pai.

"Não , Lucille". Thomas pensou receoso, nunca era uma boa ideia questionar o pai deles. Sir William odiava ser questionado sobre qualquer coisa, ainda mais por eles. Para o velho uma pergunta tola como aquela era uma afronta. O tipo de coisa que nunca sairia impune e Lucille sabia tão bem quanto o irmão como tudo aquilo iria terminar.

- Você a machucou de novo... – ela continuou naquele jogo perigoso, ignorando o homem que se aproximava dela feito um urso furioso.

O remorso voltou a consumir Thomas como tantas outras vezes no momento que viu William erguer sua mão contra Lucille, o som penetrante do choque entre os dois fez o garoto fechar os olhos com força. O segundo golpe veio acompanhado de um grito de Lucille, ele não teve coragem de abrir os olhos, continuou lá parado como um fantoche sem vida. Os gritos e sons que tanto o assustavam continuaram, Thomas abraçou o próprio corpo e abriu os olhos lentamente quando os gritos cessaram, restando apenas o som abafado do choro silencioso de sua irmã.

A primeira coisa que viu foi a imagem daquele homem que tanto o assustava, ele poderia mata-los naquela noite e nem se lembraria no dia seguinte, não sentiria nenhum remorso, nunca sentia. No dia seguinte os empregados chegariam e ele diria a todos que Beatrice havia caído da escada, sobre os filhos não diria nada, todos sabiam o que acontecia ali, mas ninguém se importava, ninguém ligava para eles. As crianças eram apenas dois mortos fingindo que ainda viviam entre os vivos.

- Volte lá para cima, Thomas! – William rosnou.

Ele não pensou em responder, olhou de relance para a irmã soluçando no chão, e tremendo de medo ele correu em direção as escadas, entrou aos tropeços no sótão, se encolhendo em uma parede, permitindo-se extravasar a sua dor. Chorando silenciosamente sempre que se lembrava dela, se sentiu envergonhado por tê-la abandonado, por não ter reagido, por não ter protegido Lucille quando pode, por ser pequeno e fraco.

Ansiosamente ele esperou pelo retorno dela, o som da confusão lá de baixo já não era mais audível quando Lucille finalmente entrou no quarto, ele a observou horrorizado, seus cabelos negros pareciam uma confusão sem fim que adornavam o rosto ferido e enxado. Aquela visão assustadora o fez correr ao seu encontro, a abraçando com força.

- Eu sinto muito! – ele sussurrou contra o peito dela.

Lucille o acolheu em seus braços, limpado as lágrimas que escorriam dos olhos dele.

- Vai ficar tudo bem... – ela sussurrou como sempre fazia, mas dessa vez havia algo diferente em sua voz.

Havia insegurança, Lucille nunca era insegura quando estava com ele.

Ele ergueu o rosto, a analisando com atenção, havia tristeza em seus olhos e aquilo fez o coração dele se apertar.

- Lucille...

- Papai disse que eu não sou uma boa influência para você. – ela parecia triste.

- Como assim?

- Ele disse que vai me mandar para outro lugar, on-onde... – ela gaguejou - Vou aprender a obedecê-lo.

- Não! – Thomas gritou assustado – Ele não pode fazer isso!

De repente ele se imaginou sozinho naquela casa, sem Lucille ao seu lado, e o mero pensamento pareceu algo insuportável de se aceitar.

- Não, ele não pode... – ele voltou a murmurar.

Uma lágrima solitária escorreu do olho dela.

- Não há nada que possamos fazer...

- Tem que haver! – Thomas parecia desesperado – Eu não quero me separar de você... Nunca!

- Eu também não... – ela murmurou acariciando o rosto dele – Mas não podemos impedir o papai...

- Sim, nós podemos! – ele falou om urgência – Podemos prendê-lo nas minas! Derrubá-lo da escada! Qualquer coisa para sermos livres, para ficarmos juntos para sempre.

- Ah, Thomas... – ela murmurou voltando a acariciar o rosto dele – Também quero ficar ao seu lado para sempre. – ela o beijou nos lábios – Não vou deixar que ninguém nos separe, eu prometo.

- Eu também prometo! – ele voltou a abraça-la com força.

- Nunca separados... – ela sussurrou contra os cabelos dele.

Ela o amava e faria de tudo para ficar com ele, Thomas era a sua vida, parte de sua essência, Lucille não conseguia imaginar como seria sua vida sem ele, sem os carinhos e sorrisos de Thomas.

- Nunca separados. – eles repetiram juntos.

Naquele noite Lucille não conseguiu dormir, suas feridas ardiam, mas não era aquilo que a incomodava. O futuro a assustava, sempre ele. Ela sabia que estava prestes a entrar em um caminho sem volta, mas tudo valeria a pena por Thomas, a morte de seu pai seria apenas uma consequência.

Incondicional (Fanfiction - A Colina Escarlate)Onde histórias criam vida. Descubra agora