Gata Borralheira

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O sol recém se punha, e as lâmpadas dos postes acendiam-se aos poucos, iluminando a volta de Regina para casa. As mulheres da noite já despunham-se em suas esquinas prediletas, e cumprimentavam sua amiga meio maluquinha. Eram cordiais, ao contrário das donas de casa que só faziam desmerecer a menina. Dona Teresa encontrava-se na penumbra, espiando a rua através de sua vidraça. Passara a tarde toda ali, como uma boneca desbotada, sem vida, com olhos de vidro imóveis e esbranquiçados. Ao escutar a porta da cozinha se fechar foi tomada pela ira, já ia a sonsa comer da sua comida. "Regina! Venha cá menina!". Regina levantou-se vagarosamente, arrastando a cadeira com seu peso, batendo as mãos na mesa em protesto. Conhecia a sua vigilante, por vezes pior até que sua mãe. De que poderia ela reclamar sendo que Regina tinha ficado o dia todo fora, sem causar barulho, sem beliscar doces, cantarolar ou fazer perguntas ditas estúpidas? Arrastou os pés até a suíte, o cheiro de urina dominava o quarto. Sentada na cadeira o vulto que ganhava contornos sombrios, encontrava-se imóvel, talvez controlando sua raiva, seus tremores de mãos.

- É pra isso que te acolhi em minha casa, sua pouca coisa? Eu aqui precisando de você e você batendo perna na rua, sabe-se lá fazendo o que. A partir de amanhã você não sai, vai limpar esta casa de cima em baixo até apagar esse fogo e sossegar. E se me desrespeitar tranco o portão e escondo a chave.

Regina queria argumentar, mas sua mente não formulava frases coesas, tampouco suas cordas vocais eram responsivas aos seus comandos. Balbuciava quão injusta era a velha, sempre reclamando, insatisfeita. A culpa não era da moça se Teresa tornara-se carrancuda, se após a divisão da herança os filhos afastaram-se, e nem mesmo o rosto dos netos conhecia. Regina era boa, fazia companhia aquela idosa. Sim, Regina era boa. Mas seu corpo insistia em expressar seu descontentamento, batia os pés, chacoalhava os braços e os ombros.

- Pare de birra, e vá já preparar o meu banho, onde já se viu uma senhora da minha posição ter que mandar uma mulher do seu tamanho fazer as próprias obrigações. Você é retardada de tudo, não é Regina? Foi por isso que sua mãe te largou aqui comigo e deu no pé. E eu boba te acolhi. Mas que mau passo, me arrependo noite e dia, disso você tenha certeza. Isso só deve ser provação pra entrar no reino dos céus.

A estrondosa menina seguiu para o banheiro cabisbaixo, resmungando palavrões que aprendera no bar. Também repetia as ofensas que escutara por toda sua vida, era a velha a real monstra. Ligou a banheira, equilibrou a temperatura da agua, dispôs a toalha ao lado. Como desejava banhar-se naquela banheira ao menos uma vez, se Teresa ao menos saísse de casa, poderia ela desfrutar daquele sonho. Mas não, Dona Teresa só comia, roncava, resmungava e se sujava toda. Como podia uma pessoa daquelas merecer uma banheira só para si? Regina não compreendia o porquê de não ser permitida ali, de morar num cubículo sendo que a casa dispunha de enormes e confortáveis quartos e banheiros. Voltou ao quarto, pegou a senhora no colo, sujando seu vestido de urina. Teresa quase nada pesava, e precisava se agarrar aos ombros de Regina para manter o equilíbrio, quão humilhada sentia-se nunca saberemos. E então era despida, e seu corpo mergulhado na água morna, as pernas finas e arqueadas, as coxas com excesso de pele e falta de músculos, tão poucos pelos tinha ela. E os seios secos e pendidos em nada equiparavam-se aos de Regina. Talvez a menina não entendesse aquela época que iria ela também envelhecer.

- Você não me vale de nada Regina. Vive de pouca vergonha pra cima e pra baixo. Logo embucha e não vou aceitar criança mongoloide correndo e quebrando minhas coisas. Você trate de endireitar ou eu corro com você daqui. Te mando de volta pra periferia, te devolvo pra sua família. Você é uma ingrata menina, uma desmiolada, preguiçosa. Quem sabe o quanto já me roubou, por isso tem dinheiro pra ficar fora o dia todo, anda depenando minha casa né Regina? Sua vagabunda. Sua deficiente. Se eu descubro que tu andas me roubando eu dou fim em você mocinha...

PredadoraOnde histórias criam vida. Descubra agora