Uma adolescente ganha voz

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A vida aqui na prisão está tão complicada, que procuro refúgio em vocês, leitoras que desconheço a fisionomia ou a existência. Escrevo por uma pessoa futura, que ainda desconhece essas linhas, meus traumas. E talvez eu continue a mesma menina retraída e sem confiança de outrora. Algo em mim desabrochou no fim da adolescência, novos amigos, uma nova cidade, o início da faculdade, sinto que houve um lapso, e que uma nova personalidade se delimitou a partir dali, e que as antigas inseguranças da pré-adolescente ainda coexistem em minha mente, obscura, influenciando indiretamente em minhas decisões, alçando voo nos momentos mais dramáticos e difíceis. Como uma amiga que não se cansa de emular "eu te avisei". Quem era ela para saber qualquer coisa da vida? Calada, esperando que outros puxassem conversa, ficava contente quando o assunto fluía, e a esperança de se conectar a alguém a maravilhava, e então nada acontecia, ou a pessoa somente era simpática e faladeira. Aquela Laisa necessitava aprovação, ser diferente ao mesmo tempo em que se igualava aos demais da sua idade. Pertencer a algo, ser cúmplice, peça-chave de um mecanismo particular, piadas internas, segredos e apelidos. Esta menina tinha suas amizades, agarrava-se a elas, temia a solidão, o desamparo. Quem define os traumas que uma separação de pais causa em uma criança? Não são palpáveis, ou pontuais, cada receio, cada súplica e oração de que eles voltassem a se amar, a viver juntos. E então papai encontrava-se distante, atarefado, "colocando sua vida no lugar", um lugar que não mais cabia eu e minha irmã.

Depois se arrependeu e tentou uma reaproximação, minha irmã, independente que era, pouco valor deu aquela investida, no entanto,eu, no ápice do meu descontrole hormonal e psicológico, esperei daquele regresso mais do que qualquer pai poderia oferecer. Ele não estava ali para compensar os meses afastados, os momentos não compartilhados, as festas em que sua ausência era nítida, e todos escondiam seus pensamentos para não ferir a nós, mulheres. Ele estava de volta, pois sua vida ingressara, tinha uma namorada, um apartamento razoável próximo ao centro, e gostaria de ternos como companhia em alguns finais de semana, relembrar os velhos tempos, ignorando as mudanças, as mágoas, tudo. Sua confiança e sorriso largo me causavam revolta, como poderia ele se portar assim sabendo das minhas dificuldades? Não era função dos pais conhecerem os filhos, perguntarem mais de uma vez como estávamos, e percebendo que o simples "bem" escondia uma aflição insuportável, levar-me para outro cômodo e investigar. Fazer com que me sentisse importante ao menos para ele. Mas não, ele satisfazia-se com as respostas curtas, evitava problemas que julgava ser incapaz de compreender, simplesmente por ser homem e adulto. Mamãe o odiava internamente, e ainda assim aturava sua presença em nossa casa pelo nosso bem, quando da verdade não mais o víamos como pai, herói, ou uma pessoa em quem confiar.    

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