Capitulo 1 - Trace um plano Marina!

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Parei em frente ao enorme Colégio São Pedro. Quando se tratava de investimento, meu padrasto sabia escolher bem. "É o melhor colégio de Salvador, você será bem assessorada..." Grande coisa!

Naquele momento, eu queria ignorar o frio na barriga e a súbita falta de ar, mas foi em vão. Aquele ar burguês me deixava enjoada. Puxei o ar pelo nariz, enchendo bem os pulmões e soltei pela boca num movimento brusco. Aqueles exercícios idiotas de yoga que minha mãe insistia em me ensinar, não adiantavam de nada. Sentia o café da manhã preso na garganta.

"Quantas vezes terei que mudar de escola, de estado, de planeta?" Foi o que eu perguntei para ela antes de sair de casa. Recebi um silêncio como resposta, seguido por uma lista de coisas a fazer quando saísse do colégio. Olhei para tela do celular, e vi a mensagem que minha mãe mandou há 10 minutos. Ela já não tinha me passado todas as recomendações antes de sair de casa? Meu Deus, que saco!

"Não se atrase ao sair da escola, Caio tem natação à tarde".

Como se fosse possível demorar a sair de um lugar em que eu nem queria entrar. Respondi para ela:

"Ok, mãe, sua babá vai tomar conta de tudo".

E ainda tenho que dar conta de mim mesma.

Caminhei até a entrada com passos firmes, acenei para o porteiro como se fôssemos amigos, numa tentativa de parecer comum, e me aproximei do mural de informações. Respirei, agora profunda e lentamente, pensando no que talvez enfrentaria. Meu jeans, All star e a mochila surrados faziam com que eu me sentisse normal, mas a camisa com o brasão da escola que cheirava a nova, era a prova viva de que eu era uma estranha ali. Enquanto eu procurava meu nome na lista da turma, analisei minhas circunstâncias: aluna nova, iniciando o 3º ano numa grande e tradicional escola de Salvador, onde provavelmente todos se conhecem há séculos e, sei lá o que fazem... Bebem azeite de dendê desde o berçário? Claro que eu seria alvo fácil para bullying. Tentei espantar o pensamento, afinal, já tinha passado por tantas escolas, por tantas situações ruins... Não deixaria isso acontecer novamente. Ergui meu queixo com bravura e continuei procurando no mural da escola.

"Trace um plano, Marina, tenha metas!"

Isso que eu iria fazer: ia entrar e sair sem ser notada, algo que eu fazia há muito tempo. Mas caso precisasse, enfrentaria toda e qualquer pessoa que tentasse zombar de mim. Ia me concentrar em ter notas altas, ler bons livros nas minhas horas vagas e... Voilà! O ano termina e eu voaria para qualquer Universidade longe da loucura que era minha família.

Quando, finalmente, encontrei meu nome na lista e me virei à procura de placas, tombei no que parecia ser um case, uma mala enorme, e dou de cara com o dono dela. Ele me amparou com o corpo e pude sentir um cheiro suave do seu shampoo. Cheirava tão bem que fiquei hipnotizada por alguns segundos, levando um tempo para me recompor e levantar a cabeça. Seu rosto era familiar, mas não lembrava de onde eu o conhecia. Os cabelos negros, caiam na sua testa, ainda molhados. Seus olhos redondos, grandes e verdes procuraram os meus olhos, e subitamente sua testa franziu.

- Olha por onde anda, garota. Não viu meu case? Poderia ter quebrado! - ele falou, me soltando em seguida.

- Desculpa! Eu não vi, estava distraída...

- Distraída ou cega? - O rosto dele ficou vermelho. - Um case deste tamanho e você não viu?

- Nossa, que bicho te mordeu, garoto? Não precisa ser tão grosso, eu hein!

- Grosso, eu? - Ele se abaixou e segurou o case pela alça. - E você tem que ser tão desajeitada? Se você tivesse quebrado...

- Eu te daria um novo, isso nem deve ser tão caro...

- Não é disso que eu estou falando... Deixa pra lá! - ele disse, me dando as costas.

- Seu estúpido! - gritei, mas ele seguiu sem olhar pra trás - Grosso! Seu... Seu... - eu bufava de raiva, mesmo depois que ele virou a esquina no corredor.
Ajeitei minha roupa e meus cachos, procurando me acalmar. Não era bem assim que deveria começar o dia, eu já não tinha problemas demais? Tinha que me deparar com esse... Tosco! Era esse o adjetivo que faltou. Nossa, que cara intenso! Talvez ele fosse daqueles que se achavam o último biscoito do pacote, acima de qualquer pessoa. Burguesinho besta!

Levantei o rosto, procurando minha mochila que caiu com o impacto e percebo alguém me encarando. Mais essa agora! O garoto, com um enorme cabeleira black, parecia rir de alguma piada particular.

- Oi, lourinha! Está perdida? - Ele cruzou os braços na altura do peito e se escorou no mural.

- É meio óbvio, não? - respondi sem paciência.

- Ah sim, primeiro, nunca te vi por aqui. Segundo, você não conseguiu disfarçar a cara de nada, olhando para o mural. - Balançou os ombros divertindo-se. - Ninguém olha pro mural da escola, a não ser quando tem as notas do bimestre. E, para completar, protagonizou uma das cenas mais engraçadas que eu já vi, com Jasper. Ninguém fala com o Jasper. - Ele riu. - Meu nome é Mateus. Pode me chamar de Mat. E você é...

Ele sorriu e me estendeu a mão, com dedos tão compridos, que não dava para deixar de encará-los, aliás, o garoto era bem comprido e magro, assim como seus dedos. Sua cor negra, parecia reluzir, como se acabasse de tomar sol e ele parecia entusiasmo demais em me conhecer.

- Marina. Pode me chamar de Marina mesmo. - Franzi os lábios numa careta.

- OK, Marina! Belo nome. Qual a sala?

- 3° ano, Turma C, sala 203.

- Ave Maria! Quem fez isso com você?

- O quê? - respondi, olhando para mim mesma e para os lados tentando achar o que tinha de estranho.

- Mandar você para uma escola nova, prestes a concluir o ensino médio? Fala sério!

- Ah sim, isso... Pois é, ? - Apenas dei de ombros e senti meu rosto queimar.

- Opa, desculpe. Deixei você constrangida. É o que eu sei fazer melhor! E aqui na Bahia tem sol, maresia e água de coco. - Ele listou os três com seus dedos compridos. - Tudo isso deixa a pessoa mais... Como posso dizer, saliente... - Fez uma pausa dramática esperando um sorriso, mas foi vão. - , você nem deve saber o que é saliente... Eu notei seu sotaque... Com certeza não é baiana. - Ele me encarou levantando as sobrancelhas.

- É, não sou.

Qual era a desse garoto, hein? Se ele viu a cena com Jasper, outras pessoas também viram, então, não sabia se ele estava ali para me salvar de Jasper ou para zoar com a minha cara.

- Bem, vamos estudar na mesma turma o ano todo. Então, acho que você vai acabar se acostumando comigo.

- Eu realmente espero terminar este ano - respondi. - E, por que ninguém fala com Jasper?

- Porque ele não faz questão de falar com ninguém há muito tempo... Mas isso é uma longa história, deixa pra lá! Venha, vou te apresentar a galera.

A galera? Como assim? Não, eu não queria isso, não era esse o plano. Mas não posso esconder que fiquei curiosa pela história de Jasper. Estava forçando minha mente para lembrar de onde eu o conhecia, mas não conseguia. Sua voz, apesar de estar zangado, era suave e seus olhos pareciam tristes. Ou cansados. Eu tinha que esquecer essa história. Afinal, já tinha muita coisa para me preocupar, uma delas era que Mateus estava me levando justamente para o pátio central, onde estava toda a galera reunida.

Onde eu quero ficar (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora