Ao acordar sexta-feira pela manhã, eu estava totalmente oca e com a sensação de que um ônibus passou por cima do que sobrou. A vergonha da noite anterior ainda pairava sobre o meu quarto em forma de xícaras, restos de folhas e remédios. Não fui à emergência, pois detesto hospitais, então, minha noite foi à base de chás e outras receitas caseiras que minha mãe aprontou. No final, deu tudo certo, as receitinhas resolveram meu problema e ainda pude experimentar ficar ao lado da minha mãe como antigamente.
A dor tinha ido embora e meu estômago vazio já implorava por comida. Levantei da cama, segui o cheiro de café que vinha da sala e me deparei com uma cena incomum: a mesa posta e todos sentados como uma família normal. Júlio lia alguma coisa no celular, Caio atolava o pão de Nutella e minha mãe servia café nas xícaras. Dei "bom dia" e sentei também, atraindo todos os olhares para mim.
- Irmã-ã... Que noite de bosta! - Caio disse, rindo.
- Ha, ha, ha! - eu respondi, fingindo estar zangada.
- Caio, com quem você aprendeu essa palavra horrível? - minha mãe perguntou.
Eu dei de ombros para ela e fiz sinal para ele quando minha mãe não via.
- Você está melhor, Marina? Eu comprei algumas coisas para você - Júlio disse.
- Estou melhor, obrigada por se preocupar.
Em cima da mesa havia banana, maçã, melão e uma jarra de água de coco bem gelada, prova de que ele saiu bem cedo para providenciar. Minha mãe sorria de orelha a orelha porque ela adorava aquelas tréguas entre nós dois.
- Acho que não devemos viajar com você desse jeito - Júlio disse.
- Ah, poxa, pai! Eu quero ir à praia - Caio lamentou. - Você prometeu.
- Não, Júlio, acho que vocês devem viajar sim. Eu já estou melhor.
- Yeah! - Caio gritou.
- Filha, tem certeza? - minha mãe perguntou, preocupada.
- Claro, mãe, já está tudo bem, não tive mais episódios. Eu preciso apenas descansar um pouco, pois estou me sentindo ainda indisposta. E eu também quero muito ficar porque preciso estudar, já tem muita matéria acumulada.
- Em duas semanas de aula? Eu disse que essa escola era boa, Estela.
Tive que me segurar para não revirar os olhos, Júlio só pensava nisso.
- E vocês não estão indo muito longe, não é? Se eu precisar de alguma coisa, dá para vocês voltarem rapidinho - falei.
- Então, tá... - minha mãe respondeu. - Já que você quer tanto se livrar da gente, nós vamos.
- Ieba! Vamos para praia, vamos para praia! - Caio logo inventou um música e fez uma dancinha para acompanhar.
- Mas vou te ligar todo dia no telefone fixo, às 21h. Combinado, mocinha?
- Claro, mãe. Para onde eu iria?
Não era a primeira vez que eu ficava sozinha em casa, minha mãe e Júlio já viajaram a trabalho algumas vezes e eu fiquei tomando conta de Caio. Na verdade mesmo, eu estava sem a menor disposição para as atividades em família que minha mãe, com certeza, inventaria. Eles reservaram um chalé, num resort no Litoral Norte, há poucos quilômetros de Salvador e ela ficou a semana toda lendo a programação do local pela internet, toda empolgada, dizendo que a nossa família precisava se unir. Eu não estava com o menor clima para isso, preferia ficar sozinha.
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Onde eu quero ficar (Degustação)
Novela JuvenilMarina é uma garota americana que vem para o Brasil após uma tragédia familiar. Porém, nunca fica em um só lugar. Cansada de tanto mudar de endereço, Marina decide que não criará raízes em lugar algum. Afinal, sem amigos seria mais fácil partir par...