Mudança de bairro

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Parte I

A dois passo do paraíso

"Longe de casa a mais de uma semana

A milhas e milhas distante

Do meu amor"[1]

AS LEMBRANÇAS DO TEMPO QUE ERA CRIANÇA VÊM MUITAS VEZES COMO EM SONHOS. Sob a forma de imagens esfumaçadas, desconexas e fora de ordem. Assim é minha lembrança de nossa vinda para o bairro Capuava. Morávamos próximo à Avenida Araguaia, no entroncamento. Bem ao lado duns parentes que davam a maior dor de cabeça. Eles não tinham a mínima noção de boa vizinhança ou de consideração ao sangue. Recordo-me que vivíamos no mesmo lote e em casas de madeiras de terceira, onde, consequentemente, não havia forma de se isolar o som, em razão das paredes possuírem muitos orifícios – furos – e frestas, isso fazia com que os segredos jamais fossem segredos. Todas as conversas, por mais baixa que fossem, vazavam de uma casa para outra. E, para piorar, a parentada adorava fofoca, como os abutres adoram carne podre. Quanto mais podre, e, por conseguinte, mais fedorenta a fofoca, mais eles se apressavam à disseminar.

- Bença tia ZULEICA! Como à senhora tá hoje?

- Tudo bem meu filho! E tua mãe já tá em casa?

- Acabou de chegar, Tia! Tou indo jogar bola no Campim, agora!

A coisa que senti mais falta dessa rua foi esse campim onde jogava bola com os amigos da rua. Ele era improvisado num lote abandonado. A cada chute da bola na trave tinha que parar o jogo para refazê-la. Nossa bola estava um trapo devido o tempo de uso, mas, como não tínhamos condições para coisa melhor, tinha que ser essa mesma. Ela possuía muitos remendos e um "capotão" todo esfiapado. Antes dela, a coisa era pior, pois, a bola tinha que ser um montão de papel amassado dentro de várias sacolas de plásticos vindas nas compras que se fazia no mercadinho – supermercado era coisa que nem sonhávamos.

- Olha que parece que está armando uma chuva!

- Verdade, tia!

Estava curiosa para saber da última de minha parenta, tia BETINA. Vai que fosse uma bomba, daquelas que arrepiam cabelos dos que ouvem. Então, ao ouvir o seu filho MATHOS dizer que ela tinha chegado, corri até a casa dela. Minha tia parecia um pouco triste. Eu a questionei sobre o que tinha acontecido. Ela ficou numa relutância, mas, enfim, após muita insistência e "adulagem", falou-me o que estava ocorrendo. Disse-me que iria se mudar antes do fim de semana para a sua casa no bairro Capuava e que estava pensativa e preocupada com isso, já que o bairro ainda era deserto de rua, casa e iluminação. Eu tentei consolá-la, mas, por dentro estava louca para sair e contar essa nova para todos a minha volta.

A pelada era composta pelos meninos da redondeza, e parte desses eram parentes diretos ou por consideração. Como de costume, de toda boa pelada de moleques, havia confusão, bate-boca e brigas. Eu, particularmente, nunca fui muito de brigas, mesmo quando criança, e, ainda assim, tive que me ver dentro dumas duas ou três. Aquele dia eu estava uma "bofera só", não estava jogando merda nenhuma. Estávamos tão entretidos nesse dia, que não percebemos o temporal que se armava bem acima de nossas cabeças sujas e despenteadas, não fosse o aviso de uma ou duas mães que apareceram para chamar os filhos, a minha era uma dessas.

- Vamos para casa meu filho, não ver o preparo da chuva!

- Mãe, não tinha visto!

- Tu quando tá envolvido numa coisa não ver nada, MATHOS. Vocês, meninos, também, todos para casa!

O tempo estava muito fechado, como eu nunca tivera visto antes em nossa cidade. O céu ficara negro como uma noite sem luar. O vento ficara a cada instante mais e mais forte. Já levantava poeira e sacudia as árvores que em sua maioria eram pés de mangas de frutos tão gostosos que deixavam os meninos, em especial meus filhos, de buchos cheio. Peguei pela mão direita de MATHOS e o trouxe para casa. No instante em que bati a porta, senti a "claridão" me cegar e...

Egos em ExpansãoOnde histórias criam vida. Descubra agora