Verdades atrás do véu

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"Ele envelheceu, tá na metade de sua vida

Ele senti o peso dos anos

Senti que é hora de ser maduro

Só não consegui sentir em que amadurecer

A percepção do tictac apenas lhe traz essa necessidade..."[1]


Estava em meio a todas aquelas pessoas que iam e vinham de um lado para outro. Não gosto de multidão nem de barulho em excesso. E PENSA COMO AQUELE LUGAR ERA BARULHENTO e multicoloridamente exagerado em iluminação. Algo muito diferente de minha terra no interior nordestino. Brinquedos por todos os lados. Alguns giravam outros pulavam outros subiam e desciam... Estava ali por causa do meu filho. Ele adorava ir ao parque quando ele passava pela cidade de Redenção. E como o parque Santa Cruz vem aqui apenas uma vez por ano e fica somente alguns dias me sinto no dever de trazer ele aqui, afinal ele não é de me pedir nada mesmo.

- Pai me ver uma pinga!

Naquele momento me recordei de que tinha uma coisa que ele sempre pedia. Era o refrigerante de guaraná chamado BARÉ. - pAi mE dAr uMa PiNgA! Era assim que ele sempre pedia, fosse para mim ou para a sua mãe.

- Tá bem meu filho. Tou indo comprar... me espere aí, tá bom!

- Tá pai! Vamos cavalinhos, mais rápido...

"Não queira ser guia

numa sociedade que não quer chegar

em lugar nenhum,

pois, levará uma vida

impotente e frustrada!"[2]


Adorava o parque de diversões. Era tanto brinquedo, e o melhor de tudo era que não eram feitos por mim. Eu tinha que criar meus próprios brinquedos, devido nosso pouco recurso. Eu e meus primos-irmãos inventávamos cada coisa, indo de revolveres até a casinha na cumeeira da casa. Lembro-me de uma arma que fiz de talo de mamão. Ela ficou um primor e atirava que era uma beleza, cheguei a acerta um dos meus primos com uma tampinha de garrafa peti. Ficara um circulo perfeito ao redor do seu umbigo. Rimos para valer. Enquanto tudo isso girava em minha cabeça o meu corpo girava no carrossel.

Saí desviando das pessoas a minha frente. As pessoas de hoje se vestem estranho e as mulheres andam quase nuas, pensei. Tinha que ser rápido para não perde meu filho de vista. Queria tanto naquela hora esta em um dos bares que adorava frequentar. Minha garganta estava seca e precisava tomar algo. Uma pinguinha cairia bem. Essa vontade foi me dominando. Resolvi ir a um barzinho próximo e "quebrar uma", como se diz. O barzinho possuía o que de costume se encontra num bar: bebidas em prateleiras por toda as paredes de madeira; uma balcão; um bilhar, duas pessoas jogavam; algumas mesas, que estavam sujas; por fim, o cheiro de bebidas derramadas misturado a outros que nem vou escrever aqui. – uma bebida por favor!

Os cavalinhos pararam. E depois de rodar nos carrinhos, no carrossel e nos cavalinhos eu estava um pouco tonto. O que aumentou ainda mais devido a quantidade de gente presente ali. Não que eu não convivesse com muita gente – nossa casa vivia cheia -, minha casa tinha dez pessoas constantes e um números grande de outras que iam e vinham. Naquela época nossa cidade tinha menos opção de diversão do que tem hoje. Recordo-me agora somente da igreja, aniversários, batizados, casamentos e alguns bares, no mais eram diversões inventadas pelas crianças do lugar. Olhei para um lado e outro e nada do pai. Meu pai tinha me deixado ali sozinho e eu tinha certeza que ele tinha ido beber. – SENHOR CONRADO NÃO TEM JEITO! PENSEI. Aquela não era a única vez que ele fizera aquilo. Lembro-me de uma vez quando saímos pra dar um passeio na velha carroça e paramos num "cabaré" – esse era o tipo de diversão presente em todos os cantos da cidade -, seria o mesmo que bordel e prostibulo hoje. Naquele tempo ainda vivíamos os tempos áureos do ouro e já entravamos no período da madeira, sendo assim havia muitos homens e dinheiro e poucas mulheres. Isso fazia esse mercado ser promissor e lucrativo. O cabaré ficava próximo a um campo e tinha a área de meio quarteirão. Ele desceu e disse para eu esperar na carroça. Uma mulher se aproximou e começou a me fazer elogios. – olha que cabelo liso, preto e lindo! Ela falou. Eu baixei a cabeça e em poucos segundos ela me deixou em paz. Quando ele apareceu, eu já tinha adormecido na carroça, pois se passara muito tempo. Ele, cheirando à bebida, me chamou e fomos para casa.

Encontrei no bar um velho amigo. Nós começamos a beber e conversar. Ele estava me falando de reviravoltas que haviam acontecidos em sua vida. FORAM UMA FORAM DUAS E TRÊS... Já não conseguíamos articular ordenadamente as palavras. Quando dei por mim acabara de chegar a minha casa e Mathos estava em um canto chorando. Foi que lembrei de que esquecera ele no parque.

- Você é um filho de uma égua, safado e bêbado! Disse isso de dentes serrados e olhos vermelhos malagueta. - Como pode ter feito isso com seu filho! Ainda estava me recuperando do que tinha visto diante dos meus olhos. Meu filho ali chegando à noite numa cidade violenta como a famosa "Boca da Mata", que era o nome antigo de Redenção. Minha cabeça fervilhou e logo após ter dito isso partir pra cima do traste do meu esposo. O cabra estava só o álcool. E não falava coisa com coisa.

- Muié... me dexa queto! Sou o homem dessa casa, BETINA!

- Homem, que homem? Vejo um cabra que troca o filho pela cachaça!

- Você que estraga nosso filho!

Ele, passando pela porta e olhando e apontando o dedo para mim, disse: - Quem fala mais alto aqui sou eu! Essas palavras me subiram a cabeça e dei um empurrão que ele cambaleou até cair no terreiro da casa. Com muita dificuldade se levantou e eu me ajeitei para me defender, pois ele estava de posse de um facão.

Senti um calafrio subindo pelas minhas costas até dá em minha nunca. Ele me paralisou duma forma que eu me movimentava em câmera lenta. Pelos menos era essa a sensação de momento. Eu já vivenciara aquilo outras vezes. E nunca era bom o que sairia daquele confronto. Rezei para que um dos meus irmãos mais velhos aparecesse para acalmar os ânimos. Sabia o quanto minha mãe gostava de mim e que o acontecido não teria perdão e nem piedade da parte dela. Contarei um caso para si ter ideia: Uma vez, acabara de chover, minha mãe saiu de casa deixando uma ordem clara. Disse para mim não subir no pé de goiaba, pois estava liso e eu poderia cair e me machucar. Foi apenas ela virar as costas na esquina e eu, com os primos-irmãos, já estávamos trepando no pé de goiaba. Tinha muitas goiabas gostosas e suculentas, não dava para resistir. Nem bem tinha subido um metro escorreguei e caí sobre o braço que quebrou. Foi um desespero e chororô, não pela dor – que nem sentia –, mas pela bronca que levaria por ter desobedecido. Uma vizinha, que era como uma segunda mãe, me socorreu. Chamaram minha mãe. Ela estava muito nervosa. Chegou meu pai e não disse nada. Minha mãe pediu que ele nós levasse ao hospital do estado. Ele meio embriagado disse apenas que ela se virasse para conseguir transporte. Foi um tempão de bate-boca entre eles. Minha mãe o pegou pelo colarinho da camisa e o obrigou a me levar ao médico e ele mesmo com toda a indiferença assim o fez, mas se via em seu olhar um mar de vermelho que é reflexo da raiva e da contrariedade. Subi com dificuldade e sentei entre os dois. Dava pra sentir os dentes de meu pai a ranger em sua boca fechada e isso se refletia perfeitamente em sua cara amarrada. Pensei que a batalha tinha passado. Ao chegar no hospital havia uma fila imensa. Tinha gente com todo tipo de problema por ali. Era choro, gritos, discursão e desespero. Foram horas no corredor lotado até ser atendido. Tirei chapa e ai fui pra sala onde seria engessado o braço, após isso apenas apaguei. Acordei já com o braço na tipoia, como dizem, e o dois ainda discutiam.

Depois do empurrão, ele simplesmente deu meia volta e foi cuidar da carroça e de seu cavalo. Assim pude baixar a guarda e cuidar de meu filho que parecia bem desesperado naquele instante. – meu filho tá bem!

A partir do dia de ocorrência daquele caso tive consciência que não poderia contar com a ajuda ou o apoio de meu pai. Foi como se um véu gasto que encobre algo supostamente belo e puro houvesse se rasgado de vez e exposto o oposto do que se supunha, ou pior, do que se queria saber.

"Um barulho acorda a cidade

Balança edifícios

Mexe com a calma

Perturba a ordem"[3]

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[1]Poema AREIA DO DESESPERO integrante da obra "Poesia pro corpo". Autoria: Thomas Davi


[2]Poema integrante da obra "Máximas Poéticas". Autoria: Thomas Davi


[3]Poema TROVÃO integrante da obra "Poemas Avulsos I". Autoria: Thomas Davi



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⏰ Última atualização: May 05, 2016 ⏰

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