Capítulo 2 - Não esquecerei

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Acordei cedo. Olhei para o lado e vi que Chelsea ainda dormia como um anjo. Tão bonita, parece uma boneca. Seus cabelos curtos e cacheados tem cor de mel. Sua pele é branca, bochechas rosadas, olhos claros e boca bem vermelhinha. Não sei explicar, ela me trazia vontade de lutar e de vencer toda aquela dificuldade.

Desci as escadas e cheguei à sala. Meus pais também já estavam acordados e sentados em volta da mesa, eles conversavam sobre a saúde da minha mãe. É verdade, eu tinha percebido, ela estava piorando a cada dia mais. Queixava-se de dores mais fortes, e as tosses estavam mais frequentes. Seus cabelos estavam mais brancos, talvez fosse a preocupação. O meu pai também estava sofrendo junto com ela, e era visível, ele estava com a aparência mais velha desde que foi descoberto o câncer. Assim que me aproximei um pouco percebi que eles mudaram o assunto, eles evitavam conversar sobre isso perto das filhas.

- Bom dia mãe. - eu disse me aproximando e dando um beijo na sua testa.

- Bom dia minha filha. Como dormiu? - ela perguntou pegando em minhas mãos.

Eu na verdade não tinha dormido muito bem, afinal dormi com fome, preocupada, mas a minha resposta é óbvia. - Bem, mãe. - respondi com um sorriso. Olhei para o meu pai, ele estava com a cabeça baixa. - Bom dia pai.

- Eu lamento filha. Não temos café da manhã. - ele não me desejou o mesmo porque ele sabia que não seria um bom dia. Eu era capaz se sentir sua dor.

- Eu sei. Não se preocupe. Eu sou grande, suporto. Tive uma ideia e quero pedir permissão para ir à praça. - falei. Meus pais me olharam no mesmo momento.

- O que você vai fazer na praça? - ele me perguntou. Expliquei toda a minha ideia. Vi que minha mãe me olhou sorridente.

- Pode funcionar. - minha mãe disse olhando para o meu pai.

Ele a olhou. Ponderou um pouco e me respondeu. - Eu vou com você. - disse se levantando. Eu sorri.

Troquei de roupa e escovei os dentes. Peguei o meu violino e dei uma rápida afinada, relembrei algumas notas e fomos à praça da nossa cidade, Celite. Quando chegamos à praça, ficamos em baixo de uma árvore, o sol estava muito quente.

- Você não precisa fazer isso se não quiser. - disse o meu pai colocando a mão no meu ombro.

- Eu quero. Pode se sentar em um desses bancos pai, não voltaremos pra casa sem nada. Pode confiar em mim. - sorri. Ele acenou com a cabeça e sentou.

Eu inspirei, e tentei relaxar. Na verdade estava um pouco nervosa porque nunca precisei tocar violino na rua para receber dinheiro, mas era necessário. Fechei um pouco os olhos e senti o vento balançar meus longos cabelos. Peguei o arco e passei pelas cordas. Lembrei-me de uma música em que tinha produzido aos meus treze anos, comecei a tocá-la. Fechei os olhos novamente e esqueci tudo a minha volta, simplesmente me concentrei na música e me entreguei em alma. O toque era suave, e até um pouco triste, eu coloquei os meus sentimentos nele, meu coração. Deixei a música fluir sobre mim, sobre minhas expressões e ao mesmo tempo rezava em mente para que tudo desse certo, e que eu voltasse para casa com meu pai com pelo menos algumas moedas. Toquei toda a música com os olhos fechados, e tinha medo de que quando abrisse não visse ninguém a minha volta, a não ser meu pai. Quando terminei a música abri os olhos e fui surpreendida com uma salva de palmas. Olhei ao redor, fitando todos aqueles rostos que admirados me olhavam de volta. Também vi meu pai com algumas notas olhando e sorrindo para mim, eu estava feliz, tinha realmente conseguido. Curvei-me em forma de agradecimento e corri para abraçar o meu pai. Pouco a pouco as pessoas foram embora, minha sensação era de missão cumprida, mas vi um homem ao longe, bem vestido, e ele me olhava sério. Ele se aproximou.

- Você não teve vergonha? - o homem perguntou.

Meu pai me soltou do abraço e se virou para o senhor, e eu fiquei ao seu lado. Eu olhei para o homem e franzi o cenho.

- Vergonha? Vergonha do que? - perguntei.

- Disso. De se expor dessa forma, praticamente pedindo esmola. - falou gesticulando.

- Não. Vergonha é roubar, tirar vidas. A forma em que eu ganhei este dinheiro foi justa. Eu ofereci música às pessoas e elas em troca me deram uma salva de palmas e dinheiro. - respondi convicta. - Por que teria vergonha? - ele me olhou e concordou com a cabeça.

- Quando eu era jovem, passei por dificuldades. - ele me disse e eu pude perceber que sua mente estava longe. - Mas tive vergonha de sair nas ruas e lutar e quase morri de fome por causa disso. Mas minha sorte foi mudada quando alguém olhou pra mim com outros olhos, e me deu um emprego. Hoje, sou dono deste supermercado. - falou apontando para seu estabelecimento. - E vendo você tocar, lembrou-me da minha juventude, e do mesmo jeito que alguém me ajudou, eu estou disposto a ajudar você. Diga-me, o que você precisa? - completou.

- O que você disse? - perguntei assustada. Como assim? Este homem está me oferecendo ajuda, e eu nem o conheço. Meu pai não dizia nada.

- Disse que você pode me pedir qualquer coisa. Seja alimento, dinheiro ou até emprego. - ele me disse com um sorriso simpático.

Meu pai me olhou, ele me deixou escolher já que o mérito foi meu. Eu pensei um pouco e respondi. - Eu não quero abusar da sua bondade senhor. - pensei mais um pouco e disse. - Minha irmã está com fome. Na verdade minha família toda está e precisamos de alimento para hoje. Porém meu pai está também desempregado, então peço um emprego no seu estabelecimento para o meu pai. - falei colocando um dos meus braços em volta da cintura do meu pai.

- É isso que queres? Tudo bem. Venham comigo, vamos resolver isso agora. - falou com um grande sorriso. Meu pai levou uma mão ao rosto, percebi então que chorava. Em seguida me abraçou.

- Obrigado querida. Muito obrigado. - falou entre lágrimas.

Eu não respondi. Apenas retribui o abraço e me alegrei.

Fomos até o mercado e pegamos tudo o que precisávamos. Em seguida o senhor que eu ainda não sabia o nome assinou a carteira do meu pai, que estava muito feliz por sinal. O homem também se ofereceu para levar as compras até a nossa casa, e não adiantou dizer que não precisava, ele levou mesmo assim. Chegamos a nossa casa. Descemos do carro e meu pai levou as compras para dentro.

- Como é o seu nome? - ele me perguntou.

- Amberly. - respondi. - E o seu? - perguntei.

- Harrison Benetti. - ele respondeu com um sorriso.

- Harrison. - sussurrei.

- Senhor Harrison. - meu pai disse saindo da nossa casa em direção a ele. - Muitíssimo obrigado por tudo que nos fez hoje. - agradeceu lhe cumprimentando.

- Agradeça a sua doce filha. Sem ela, talvez nada tivesse ocorrido hoje. - ele disse sorrindo para mim. Eu sorri de volta, meio constrangida.

O senhor Harrison entrou no carro e continuo a falar algo com meu pai que acho que era sobre o novo emprego. Eles apertaram as mãos novamente como uma despedida. Meu pai passou por mim entrando em casa e deu uma leve tapinha no meu ombro como um "Parabéns." Eu fiquei olhando o bom senhor ir embora. Ele ligou o carro.

- Amberly? - disse o senhor olhando para mim.

- Sim? - perguntei.

- Não se esqueça de mim. - disse Harrison.

Eu concordei com a cabeça sorrindo. Ele ligou o carro e se foi pelas ruas. Então pensei, "Não esquecerei."

Além da Coroa (Pausado)Onde histórias criam vida. Descubra agora