Violino me faz muito bem. Toquei várias músicas até ficar enjoada. Sinto-me leve, tranquila, com vontade de lutar e seguir em frente. O violino faz essa mágica em mim de me completar quando me sinto vazia. De me trazer luz quando me sinto escura. De sentir uma pessoa nova. Quando eu toco violino, sinto uma vontade de dançar. Deixo-me levar pelas notas, deixo as notas levarem minha dor para fora e as lançá-las longe. Minhas forças estão renovadas, vamos continuar Amberly. A vida não para.
Lembrei-me que eu tinha que fazer uma atividade escolar de química. Adoro química. Tenho que fazer antes que Chelsea acorde, se não ela vai tomar todo o meu tempo e minhas notas na escola já não estão tão boas. Sem distrações. Sem distrações. Foco Amberly. Você é inteligente. Proferi essas palavras em pensamento para eu própria. Mamãe ficaria orgulhosa se me visse. Lembro que eu tinha uma grande dificuldade em entender química, mas ele pegou alguns minutos do seu tempo e me ensinou várias coisas. Lembranças vieram a minha cabeça. Lembranças boas da mamãe. Algum tempinho se passou, e sem que eu me desse conta terminei a atividade de química, e pareceu automático, assim que terminei, vi que Chelsea descia a escada esfregando os olhos e me chamando.
- Oi querida. - eu disse fechando o meu caderno colocando-o sobre um móvel e indo na sua direção.
- Amberly. Tô com fome. - ela dizia. E eu estava tão feliz de ouvir isso e ter comida para dá-la. Há um mês, mais ou menos, isso não era possível.
Agachei-me na sua frente me segurando na sua pequena cinturinha. - Está com fome? - ela concordou com a cabeça. - Eu também estou. Vou preparar algo para nós. Sente-se no sofá e assista algum desenho na televisão. Daqui a pouco a comida tá pronta. - eu falei me levantando. Ela foi e se sentou. Era tão obediente, um amor de criança. Mamãe a educou muito bem. Tão bonita também, se parecia um pouco comigo. Os cabelos dela eram castanhos claros e curtos, já o meu era loiro e mediano. Nossa pele é branca, físico magro. Ela tem o olho castanho, o meu é azulado. Somos tranquilas, divertidas, comunicativas. Eu a amo tanto, não quero nunca me afastar dela. Pensei nisso em uma fração de segundos. Enquanto ela assistia os desenhos animados eu fui para a cozinha e fui preparar alguma coisa para nos comermos. Neste momento lembrei-me do meu pai que ainda não tinha chegado em casa. Olhei para o relógio que tinha na cozinha e vi que já eram 20h. "Onde ele deve estar" pensei. Mas bem, ele é um homem adulto e sabe o que faz. Terminei de preparar a comida, coloquei em pratos e fui até Chelsea. Ficamos brincando. Estávamos nos divertindo muito, brincando, sorrindo. Senti-me mais feliz do que já estava. Até que alguém começou a bater na porta com um pouco de força. Eu e Chelsea paramos de brincar instantaneamente. Olhei para Chelsea e disse:
- Quem será? - perguntei.
- O papai. - ela disse. Até pode ser. Mas por que bater com tanta força na porta? Levantei-me do sofá e fui até a porta. Quando abri a porta dei de cara com um homem completamente bêbado. Não qualquer homem, o meu pai.
- Pai?! Eu não acredito. - fechei a porta e o segurei, pois estava ameaçando cair no chão. - Eu pensei que o senhor tivesse ido passear não se embebedar e perder o juízo.
- Cale a boca. Eu faço o que eu quiser. - disse o meu pai enrolando um pouco as palavras. E me empurrando, dando a entender que eu o soltasse. Soltei.
- Não. Não faz o que quer. Tenha vergonha na cara, o senhor é um pai de família. Que exemplo dá para Chelsea? - perguntei indignada.
- Isso que você chama de família, eu chamo de fardo. - falou colocando o dedo na minha cara. Aquelas palavras doeram mais do que tudo. Um fardo? Ele chamou Chelsea e eu de fardo? Meu coração acelerou imediatamente, senti lágrimas transbordarem em meus olhos. Eu estava tão bem. Senti a raiva e a decepção voltarem. Não me contive.
- FARDO? TEM CERTEZA? EU SOU UM PESO PARA O SENHOR? QUE EU SAIBA NÃO FUI EU QUE SAI DE CASA E VOLTEI COMPLETAMENTE BÊBADO, FEDENDO A CACHAÇA. - chorei mais. Eu que deveria ser a mais afetada com tudo isso. Afinal sou adolescente, emotiva. Mas não, sou eu que estou levando está casa. - O SENHOR NÃO É UM PAI DE VERDADE. APARENTEMENTE É APENAS O HOMEM QUE NOS FEZ. - completei gritando alto, perdendo total controle.
- CALA A BOCA! - ele me disse.
- NÃO CALO. O SENHOR NÃO TEM MORAL PARA ME MANDAR FAZER NADA. OLHE O SEU ESTADO, TÁ RIDÍCULO. - falei mais alto do que ele. Eu estava com raiva. Muita raiva. Como ele ousou me chamar de fardo. Eu nunca fiz nada para ele pensar assim de mim.
- CALA A BOCA DESGRAÇADA. - disse me empurrando. Cai forte no chão. No mesmo instante Chelsea começou a chorar e gritar para ele parar. - CALA A BOCA VOCÊ TAMBÉM. - falou apontando para Chelsea. Ele estava louco? O que nós fizemos? - EU NÃO QUERO OUVIR VOCÊS. VER VOCÊS. EU ESTOU CANSADO. - ele gritava colocando a mão na cabeça e cambaleando um pouco.
- VOCÊ ESTÁ LOUCO! ESTÁ PERDENDO O JUÍZO! - gritei.
- CALA A BOCA. CALA A BOCA. - ele gritava enquanto andava pela sala. Chelsea berrava. Ele está fora de si. Derrubou o aparador, jogou as fotografias da mamãe no chão. Ele a amava, eu sabia, e não aguentava o fato de tê-la perdido.
- PAI, PARA! - eu me levantei na sua direção para tentar contê-lo. Mas ele ameaçou me bater, então não me aproximei. - POR FAVOR PAI, POR FAVOR PARA. - eu gritava descontrolada, chorava. As fotos da mamãe...
- NADA DISSO MAIS SERVE. NÃO TEM MAIS POR QUE CONTINUAR. - ele falava pra si. - NÃO TEM MAIS. NADA MAIS FAZ SENTIDO. - ele dizia enquanto quebrava tudo e eu me desmanchava em lágrimas. Por fim, quebrou o meu violino que estava no canto da parede.
Inspirei. - EU ODEIO VOCÊ! - eu disse sem pensar.
- EU NÃO ME IMPORTO COM VOCÊ. ODEIE-ME O QUANTO QUISER. NADA MAIS ME IMPORTA. - ele disse próximo do meu rosto. Empurrou-me da sua frente e subiu as escadas para o seu quarto e continuou a destruir as coisas lá. Chelsea veio até mim chorando. Eu olhei em volta. A sala estava um caos. As fotos da mamãe no chão, rasgadas, destruídas. Cai no chão em lágrimas, ele acabou com quase tudo, não só com a sala, mas com as minhas esperanças. Meu violino estava em pedaços. E eu também estava. Ele surtou, e acabou de perder tudo. Meu respeito, minha admiração. Perdeu sua filha. Perdeu meu amor.
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Além da Coroa (Pausado)
RomanceQuem via Amberly não imaginava o segredo que ela escondia por debaixo daquele belo rosto. As feridas de um estupro não eram visíveis na carne, mas ainda estavam na alma e ela ocultava muito bem isso com um falso sorriso. Por causa de problemas...