Capítulo 5 - Buraco

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Já se passaram três dias desde a morte da minha mãe. A minha casa está com um ar esquisito. Meu pai e eu, desde a morte dela não nos falamos muito. Ele está mais calado do que o normal, fica sozinho ponderando, talvez em todos os momentos em que ele e a mamãe já passaram, às vezes chora. É triste ver que o meu pai era, e o que ele se tornou depois de sua morte, ele não é mais o mesmo. Chelsea também não é mais a garotinha risonha de antes, desde que a nossa mãe partiu, ela mal come, quase não brinca, passa a maior parte do tempo deitada na sua cama e às vezes a pego chorando. Tão nova, com um trauma tão grande nas costas. E o que falar de mim? Eu não paro de pensar na minha jovem mãe que se foi tão rápido, não tive ao menos a chance de me despedir. Os últimos dias no colégio estão sendo horríveis. Sempre fui uma garota de boas notas, dedicada, atenciosa, participativa, porém nos últimos dias eu cheguei ao fundo do poço. Está sendo tão difícil me focar quando na verdade eu queria sumir por alguns dias da face da terra e colocar os pensamentos no lugar.

A casa perdeu o brilho, a cor, o charme. Era tão comum estar no primeiro andar e ouvir minha mãe rir do térreo. Ela era incrível. Uma mãe sem comparação. Eu sinto tantas saudades dos seus abraços, beijos, conselhos, a comida que só ela sabia fazer, de quando cantarolava por toda a casa. Desço as escadas e encontro então o meu pai sentado em uma poltrona na sala. Todas as portas e janelas estão fechadas, deixando a casa bastante escura. Ele mantém a casa assim. Ele está sentado de frente para um retrato da nossa família. Virei-me para a poltrona, porém ele estava de costas pra mim.

- O senhor sente falta dela, não é papai? - perguntei quebrando o silêncio. Eu sabia a sua resposta, era óbvio que ele sentia, mas não conversava muito sobre isso comigo... E aparentemente não quis conversar, pois não me respondeu. - Pai. Temos que dar a volta por cima dessa perda juntos. Fale comigo. Seja meu amigo nesse momento difícil. - meu pai nunca chegou a me tratar mal, porém não era tão próximo de mim e de Chelsea como deveria. Mas eu sempre soube, e ele sempre demonstrou o quanto amava a minha mãe. Eu sabia que ele estava sendo ruído por dentro, e respeitava o silêncio dele, porém eu também sofro, e preciso de um pai mais do que nunca.

- Eu quero ficar sozinho. - ele disse sério, e até com um ar meio áspero demais para uma filha que só quer um ombro amigo.

- E eu quero um pai. - dei um tempo. - Chelsea e eu queremos. Precisamos. Está sendo difícil para todos nós também, pai. Pense nas suas filhas. - completei e percebi que lágrimas rolavam no meu rosto. Eu estava mais debilitada do que imaginava. Eu fiquei parada, esperando que ele respondesse algo, porém nenhuma resposta foi proferida da sua boca. Abaixei minha cabeça, me senti abandonada. Já era órfã de mãe, e aparentemente de pai. Subi as escadas novamente e fui para o meu quarto onde Chelsea dormia. Sentei na minha cama e não me contive, entrei em prantos. Como ele pode fazer isso? Ver suas duas filhas sofrendo, chorando a todo instante e não dar nenhum apoio. Nunca pedi isso, mas naquele momento quis morrer. É tosco pedir isso? Pode até ser. Mas eu já estou cansada. De um tempo para cá a vida não tem brincado. Meus pensamentos foram interferidos quando ouvi a porta de casa bater. Abri a janela do meu quarto que dava para a rua e vi que meu pai saia.

- PAI? - gritei. Ele apenas levantou a cabeça na direção da voz. - PARA ONDE O SENHOR VAI? - perguntei.

- VOU ESQUECER TUDO ISSO, TODA ESSA DOR. NÃO ME ESPERE CHEGAR CEDO EM CASA. - ele disse tirando o foco dos seus olhos que estavam em mim e olhando para a rua. - PERDÃO. EU NÃO CONSIGO SER O QUE VOCÊ QUER QUE EU SEJA. - completou e seguiu caminho. Eu não disse mais nada, o deixei ir. Para onde ele vai? Eu não sei. Só espero que volte. Fechei a janela e peguei o meu violino. Desci as escadas e fui para a sala, beijei um retrato da mamãe, eu estava desesperada. Encostei-me no sofá e então me coloquei a tocar o violino, deixei novamente a música me invadir e me acalmar... Tudo bem então, se meu pai não consegue me ajudar, então eu sairei deste buraco sozinha. Eu serei o meu alicerce.

Além da Coroa (Pausado)Onde histórias criam vida. Descubra agora