Capítulo 3 - Inevitável

53 3 0
                                    


Já se passou um mês desde que o senhor Harrison nos ajudou. Desde então a minha irmã nunca mais chorou de fome, e meu pai não precisou mais se desesperar. Infelizmente nem tudo vai tão bem como deveria. A saúde da minha mãe está pior a cada dia e eu sinto que há sua hora está chegando. Ela se queixa de dores mais fortes do que o comum, muitas tosses, está fraca, se nega a comer, e passa praticamente todo o tempo deitada na cama em seu quarto.

Eu estou a espiando pela brecha da porta. Ela está pálida, magra, irreconhecível. O câncer acabou com ela. Minha mãe era uma mulher cheia de vida, alegre, brincalhona, bondosa, bela. Como tudo isso aconteceu? Percebo então que tem lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Eu estou sofrendo com isso, sofrendo muito. Eu queria poder cura-lá, a livrar dessa dor, eu queria que ela vivesse e visse Chelsea e eu adultas, no futuro, talvez casadas e com filhos.

Como ajudá-la? A rede de saúde do nosso país não é tão boa. Saímos de uma guerra há apenas cinquenta anos, é pouco tempo para construir um país e ter suas bases estáveis. Mas ver sua mãe morrer lentamente na sua frente e você não poder ajudar não é fácil. Sinto um enorme aperto em meu peito, olho para o lado e vejo que Chelsea brinca despreocupada no corredor. Acho que ela ainda não percebeu o risco em que se encontra a nossa mãe, num beco sem saída, em um fim inevitável.

O câncer foi descoberto tardiamente, já contaminou outros órgãos. É horrível! Minha mãe está literalmente apodrecendo viva, morrendo de dentro para fora. Os médicos disseram que não tinha nada a ser feito, era tarde demais, que podiam apenas aliviar as dores, mas que seria pago, afinal de contas o tratamento é caro e o país tem outros problemas, não pode ter tantas despesas, ou seja, minha mãe vai morrer pois não temos dinheiro. Meu pai está trabalhando no estabelecimento do senhor Harrison, mas não sobra o suficiente para pagar seu tratamento.

Mãe perdoe-me por ser tão impotente. Se eu pudesse, trocaríamos de vida. Você não merece isso. Ouvi o telefone tocar lá em baixo. Fui atender.

- Licença amorzinho. - disse a Chelsea que estava no caminho. Desci as escadas enxugando as lágrimas e fui em direção ao telefone. Atendi.

- Alô? - eu disse.

- Alô? Amberly? - disse uma voz familiar.

- Sim. Com quem eu falo? - perguntei.

- Não se lembra da minha voz Amberly? Faz tanto tempo assim? - disse a voz do outro lado da linha.

Pensei um pouco. Concentrei-me naquelas palavras. - Ah, senhor Harrison! - falei entusiasmada. - Que prazer ouvir sua voz. - completei.

Percebi então que ele deu uma pequena risadinha. - Como você está querida? - perguntou-me.

- Estou bem. Desde que o senhor nos ajudou, felizmente não tivemos problemas com falta de comida e contas não pagas. - respondi com um ar grato.

- Que bom! - ele disse. - Quando nos veremos de novo? - perguntou-me.

Ver-nos? Pensei. - O senhor é um homem ocupado, não? - as suas palavras me soavam esquisitas. Ah, deve ser coisa da minha cabeça. Ele apenas está sendo bondoso.

- Para você eu tenho tempo querida. - respondeu-me.

- Qualquer dia desses venha a nossa casa, jantar conosco. Como forma de agradecimento, prepararei um ótimo pudim para o senhor. - brinquei.

- Ótimo. Ansioso para experimentá-lo. - ele deu uma curta pausa. - Ansioso para ver você também.

Eu não sabia o que dizer. Ao longe ouvi alguém tossir muito forte, minha mãe. Não consegui nem dar tchau para o senhor Harrison, larguei o telefone que ficou pendurado pelo fio, então corri para ver como ela estava. Subi as escadas rapidamente, não vi Chelsea no caminho, talvez estivesse no nosso quarto. Ao chegar ao quarto da minha mãe, abri a porta. Eu fiquei em choque. Ela estava tossindo, mas não apenas tossindo, estava sangrando também, sangrando muito.

- MÃE! - corri na sua direção, me jogando em cima da cama e tentando a erguer para que ela respirasse. Ela tentava puxar o ar, mas mão conseguia. - MÃE! MÃE! - comecei a chorar e a me desesperar. Ela segurava o meu braço em um ato de desespero, e tentava respirar, mas não conseguia, acabava se entalando com o sangue.

- Mamãe?

Olhei para trás, vi Chelsea. Ela estava parada e em choque na porta do quarto. Seus olhinhos encheram de lágrimas. Eu também chorava e estava ofegante por causa da adrenalina que corria pelas minhas veias. Olhei pra minha mãe que continuava a por sangue, sujando assim todo o meu vestido, ela me olhava com desespero, como se me pedisse misericórdia. Deitei-a lentamente na cama de lado, sai de cima da cama e me coloquei de pé ao lado dela. Então corri, peguei Chelsea nos braços para que ela não ficasse mais traumatizada com a cena da nossa mãe, desci as escadas e fui para a rua. Meu pai não estava em casa, então era a minha única forma de ajudar, talvez tivesse alguém que pudesse fazer algo mais do que eu.

Em meio a lágrimas e muito desespero, gritei na rua. - SOCORRO! MINHA MÃE ESTÁ MORRENDO!

Além da Coroa (Pausado)Onde histórias criam vida. Descubra agora