Quanta vida na cidade!

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Bons lugares costumam nascer por acaso. Não foi o que aconteceu após o big bang? Contudo, o último bom lugar da terra foi feito por mãos humanas de nobre intenção, mas por vergonhosos motivos.

Tamahagane é linda! Não por acaso! Existe uma grande árvore no centro da ilha. A distância entre ela e a praia, em qualquer direção, é sempre a mesma. Sua espécie ninguém conhece. Nasceu no alto de um penhasco não muito profundo voltado para o sul, sobre o qual também foi construído o observatório celeste. Possui folhas parecidas com as de um cajueiro, mas imensamente maiores e espaçadas uma da outra. É impossível enxergar seu topo, mesmo em dias de céu limpo.

A floresta segue fechada por alguns quilômetros ao redor da grande árvore. A trilha que leva até ela é pavimentada com pedras retangulares intertravadas, por meio das quais foram criados mosaicos no decorrer de todo o caminho.

Essas verdadeiras obras de arte contam toda a história do desenvolvimento humano e depois de Tamahagane,mostram como uma vida é preciosa e como o homem aprendeu isso na grande batalha. Por isso, viajar da orla interna da cidade até o observatório celeste é também um programa cultural apaixonante.

A visão do céu por ali é espetacular. Em noites claras a lua sempre está enorme. Em noites de lua nova o céu estrelado é o maior playground do observatório celeste. Seus funcionários são todos apaixonados por astronomia. As estrelas, as galáxias e os mistérios do universo os encantam mais do que a própria vida.

Olhando para o céu não veem somente estrelas, veem possibilidades. Não almejam sobrevivência ou uma troca de habitat para o ser humano mas contemplam o passado, pois a grande maioria dos corpos celestes que estavam aqui a milênios atrás ainda estão. Também veem o futuro que estará refletido nos olhos de seus filhos e dos filhos deles. Essa é a sensação de cada um, desde quem observa pelo telescópio ao encarregado pela limpeza.

Ao redor da mata, também em forma circular, é cultivado tudo que é necessário para que o homem continue vivendo. Logo após as plantações fica a cidade de arquitetura uniforme onde vivem todas as pessoas que restaram na terra. Não lhes é permitido ter filhos sem autorização do governo, pois não existe possibilidade de vida fora da ilha e esta não pode exceder o número máximo de habitantes que lhe garante subsistência.

Não há mais a necessidade de polícia ou armas, embora ainda existam, pois as pessoas aprenderam o valor que uma vida possui na grande batalha e perpetuaram seu aprendizado.

***

Isabel acabara de se formar em física com destaque em sua turma. Nunca fora a mais inteligente, mas sempre esforçou-se até alcançar suas aspirações. Levantou-se em um pulo ao ouvir o despertador. Costumava despertar pouco antes dele ao "sentir dormindo que ele despertaria". Um mal que sofrem as pessoas ansiosas. Tomou um banho às pressas e vestiu-se rapidamente. Correu até a cozinha e optou por jogar frutas e sanduíches para dentro da mochila.

- Mãe, estou indo!!

Sua mãe ainda não havia se levantado. Costumava preparar o café todos os dias para a filha, que levantou 30 minutos mais cedo hoje.

- Espere Isa, vou lhe preparar um café! - Exclamou Suely ainda na cama. A filha, porém, continuou correndo.

- Deus te abençoe filha, boa sorte no seu novo trabalho. - Finalizou em pensamento, antes de se levantar.

A jovem subiu em sua bicicleta e pedalou pelo caminho de pedras enquanto mordiscava uma maçã. Esta é a primeira vez que trabalha. De tão ansiosa, precisou parar três vezes para verificar se seus óculos estavam na mochila.

Desde pequena sonhara em contemplar o céu. Sempre acreditou que esse é o espírito dos funcionários do observatório celeste e não estava enganada. No mesmo mês em que se formou, foi convidada a ser Cientista Júnior com bolsa para pesquisa e desenvolvimento. Haviam muitos candidatos geniais para esta bolsa, mas a jovem foi escolhida por ser "esforçada e focada, adjetivos que a destacaram dentre os colegas de faculdade", conforme sua carta de indicação.

Crônicas do fim: A queda da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora