Ucronia

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Conto Onze

UCRONIA

Luis Eduardo Gonçalves Costa



Eu caí de paraquedas aqui? Eu estou preso em mim mesmo, 14 anos mais jovem, presumo. Mas, estou confuso.

Olha... Tinha certeza que era apenas minha consciência, a essência de mim, que havia, de uma forma ainda não compreendida por mim, se transferido daquela forma. Uma pessoa adulta presa no corpo de um jovem pré-púbere.

Eu simplesmente me assumi em um mundo que já não era mais há muito tempo, tendo que repentinamente conviver com coisas com as quais não tinha mais nenhuma paciência. Mas eu simplesmente tinha que aceitar.

A verdade é que não faziam nem 5 minutos, de certo. Muito confuso. A porcaria do colégio, porque exatamente a porcaria do colégio? Nem lembro direito se eu realmente gostava ou não, mas eu presumo que nos conhecimentos atuais um colégio para um jovem de 14 anos deveria sim ser uma porcaria de fato.

Provavelmente não era horário letivo, talvez o intervalo... Talvez, talvez, mas na prática, exatamente...

Eu estou muito, muito confuso. Eu, eu... eu nem sei como eu vim parar aqui? É como se eu tivesse vivido uma vida de 28 anos, com tudo que tem direito a vida nada simples de um adulto comum, e estou aqui no corpo de mim mesmo, 14 anos de idade? Será mesmo que eu "vim parar aqui" ou na verdade eu REALMENTE tenho 14 anos e estou sofrendo de algum raro distúrbio que me condiciona uma mentalidade de um homem de 28 anos, sem contudo aferir lembranças reais?

Mas que grande porcaria hein? Melhor me sentar aqui no banco...

Pensar, pensar, pensar... se eu tenho, ou tinha, ou terei, foda-se... 30 anos, qual minha profissão? Quais minhas ideologias, meus sonhos? Quais meus ódios? Onde eu moro, que carro eu tenho? Eu sou pai? Minha esposa é bonita... minha esposa!!!... nossa de repente parece que algo me tocou, sentindo uma pontada, de repente me vem um pouquinho de lembrança... cheiros, um cheiro bom de cabelo feminino... eu com 14 anos não devo conhecer o cheiro de cabelo feminino, né? Então, na prática, se as lembranças não forem fruto desse possível surto, essas lembranças não pertencem a hoje, agora, exatamente, no ano de... que ano é mesmo?

Melhor ir ali correndo na diretoria da escola tentar achar um calendário, eu lembro onde fica? LEMBRO! Deu um estalo aqui agora na minha mente, eu sei onde estou! De repente me vem uma lembrança, mas não vívida, simplesmente uma lembrança longínqua de quando eu estudava no Colégio Objetivo São Marcos, uma lembrança de mais de década, eu tenho um mapa mental perfeito dessa escola, e eu estou fisicamente nele nesse exato momento! As coisas são bizarras! Muito!

De repente minha mente começa a ficar um pouco menos nublada, porque fui caminhando pra diretoria pra tentar ver um calendário, me situar, não queria de jeito nenhum conversar com ninguém, e de fato ninguém ainda tinha vindo falar comigo (eu meio que lembro que não era lá muito popular, de fato, então meus temores vão se concretizando), mas simplesmente estava tudo errado naquele ambiente, não vi UM smartphone, ninguém com a cabeça enfiada nos malditos smartphones como eu sei que são os jovens (e até adultos), onde estão os smartphones? Realmente, tá tudo errado!

Melhor ir rápido pra secretaria! Rápido, muito rápido... O chão, o chão, o chão tá vindo ao meu encontro, rápido demais, MERDA!

Que puta tropeço! Sorte que não tem ninguém por perto, acho que estou no saguão principal, mas espera aí... alguém, um rosto amigo. Porra, é o Lucas! Como ele tá novo, parece criança! Ai! Que dor no cotovelo!

— Mas que tombo, hein? 'Cê tá bem, cara?

— Ah sim, obrigado, me ajuda aqui a levantar.

— 'Cê tá esquisito, muito esquisito, qual o teu problema, viado?

— Ham?... Ah nada não, nada.

Bati o olho do lado, um calendário, e ele parecia um objeto de uso diário e não um item de antiquário ou museu, mas não conseguia entrar na minha mente nem a pau, o desenho era uma ilustração de praia, em letras garrafais, dava pra ler perfeitamente: SETEMBRO, 2001, acho que dia 29... Puta que pariu!

Mas acho que o Lucas tá olhando pra algo que caiu do meu bolso, acho que é isso, ele foi ali pegar...

— Acho que esse trem é teu, parece um papel dobrado...

ERA UMA FOTOGRAFIA!

Um objeto que simplesmente não deveria estar aqui, agora comigo... Mas porque estava? Não fiquei pensando muito como estava, mas quando peguei da mão do Lucas e desdobrei a foto, pude ver, era ELA.

A foto! eu a memorizei, cada linha, cada centímetro do teu rosto, do teu sorriso, a expressão dela, tudo. Quase posso ouvir a voz dela. Está tudo na minha mente, guardado onde ninguém pode tirar ou destruir...

Fiquei um bom tempo, acho que talvez 30 segundos, ou foram 5 minutos? Olhando? Simplesmente não pude conter e comecei a chorar quieto, essa foto havia sido destruída, porque simplesmente surge nessa circunstância, ela não deveria estar aqui! É totalmente anacrônico...

— Cara, o que foi? Quem é essa mulher? O que você tem?

— Olha... nada

Cada linha, cada centímetro, exatamente como ficou gravado a fogo na minha mente, uma linda menina, nos seus 19 ou 20 anos, olhos cor de mel penetrantes, cabelos escuros, um sorriso cativante... uma data, anacrônica, 04/02/2014, a data que a foto foi tomada, mas essa data na ocasião de agora seria considerada uma montagem grosseira, como o Lucas já observou.

— Essa data está errada, apesar de quem é uma mulher muito linda. Quem é? É tua mãe quando era jovem?

— Não, essa foto na verdade eu havia perdido, ou pelo menos achei que tinha sido perdida pra sempre, é a lembrança que tenho de alguém, o único alguém de fato.

— Não entendi nada, por que você está falando desse jeito? Está louco?

Com certeza era difícil mesmo pra um jovem mancebo de 14 anos compreender uma fala com certa carga de analogia, mas não me importei.

— Lucas, entenda, você é meu melhor amigo, você é e será durante os próximos quatorze anos, pelo menos, entenda que eu perdi essa foto, agora eu encontrei, só isso já valeu a pena, e outra coisa, essa menina linda, ela nasceu em 27 de novembro de 1996, então ela existe, ela é REAL, está aqui. Achei que esse mundo era irreal, coisa de algum distúrbio da minha mente, mas não, ela é real, felizmente tudo pode ser diferente.

— Cacete, você fumou orégano? Tá doidão? Só não entendi uma coisa, 'cê tá me dizendo que essa mulher aí tem cinco anos de idade, de acordo com a data de nascimento dela aí na tua cabecinha, não é mesmo?

— Sim, essa foto é uma Ucronia!

— Uma o que? Ah, vai se foder, vamos embora pra sala logo, vai tocar o sinal!

— Vamos, vamos, sim.

Vamos indo pra sala, vamos e eu não ligo, eu não a perdi. Nunca vou a perder, eu sei tudo que vai acontecer.

Mostra Ecos 6ª ediçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora