-Capítulo 14- Leão Solto-

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A imagem se refere à...

A cidade de Saxon era maior do que imaginavam. Ali o mercado era abrangente.

As dezenas de vozes se misturavam, ofertas a todo lado. Victain o aconselhara a manterem as espadas escondidas, assim como qualquer símbolo do leão dos Stone.

Eles sabiam que os soldados da rainha não demorariam a colocar suas cabeças à prêmio.

Não fazia muito tempo, eles o alcançaram. Tiveram de matar seus próprios amigos. Ambos conheciam bem alguns dos cavaleiros que enfrentaram.

Oh deuses,  disse a si mesmo. Não houve maneira mais simples de fazê-lo.

Mas ali estavam, a quilômetros do Monte da Hidra, com as mãos sujas de sangue. Não havia levado consigo moedas suficientes. Apenas poucos veados de prata e um cobre. Não precisariam de abrigo, pois não deveriam parar para descansar. Mas precisariam de comida e outras vestes.

Eu não devia ter saído de lá,  pensou. A rainha... Ela...

Victain estava a frente, negociando um dos cavalos com uma senhora. Ela inspecionou o animal cuidadosamente. Torcendo o nariz para a proposta do amigo.

Não conseguia parar de pensar no que ocorrera. Não era culpa dele, não era culpa de Victain também. Mas era tanto sangue... Ele não suportou ficar muito tempo. O desespero o tomou e então se viu forçado a correr. E ao correr, bem, já era tarde. E a palavra traição já ecoava nos corredores.

-Consegui- a voz de Victain o fez voltar a realidade. - Ela não pagou o que queríamos, mas é o suficiente- sua face expressava um imenso cansaço, mas fazia de tudo para permanecer de pé.

Ele sorriu, disfarçando o próprio cansaço. Comeram algo o mais barato que encontraram e seguiram caminho.

Os portões da cidade eram altos o suficiente para lançar sombra sobre grande parte da cidade. Acima, miniaturas de deuses antigos olhavam com expressões sérias para os que saiam, e do lado de fora davam boas-vindas aos que adentravam.

Dali já era possível ouvir o som do rio da Viúva. Siga o rio, disse Victain. Ele nos levará para a segurança.

Nas cidades livres, o exército de Thoren poderia adentrar e procurar por eles, nos reinos acima, dois estrangeiros sujos, de espada na cintura não sobreviveriam por muito tempo em segurança. Mas segundo o que diziam, as leis que se aplicavam no norte, não eram as mesmas abaixo do Vau Vertente. E a trindade era capaz de acolher os que lhe batiam à porta.

Que os deuses sejam bons. E que a rainha Freya seja tão misericordiosa quanto.

Eles continuaram seguindo a trilha.

O silêncio reinava absoluto. Não havia muito o que dizer, o sangue ainda estava quente em suas mãos. Mas ele sabe que não houve outra alternativa. Se ficassem, morreriam.

A imagem de Ava em um chão rubro ainda o atormentava. David Stone havia morrido muito antes, quando era um garoto, e ele estava lá também.

O golpe de maça fora no peito formando uma enorme ferida. E em menos de quatro dias ela já possuía um forte odor. Então começaram as convulsões, febres e vômitos.

Não suportou duas semanas.

Ao voltar a si, viu que Victain olhava para muito além. Seguiu seu olhar e vislumbrou os escombros logo a frente.

Era uma pilha de pedras e restos de madeira queimada.

-Pelos deuses- ele deixou escapar.

O cavalo relutou em prosseguir, mas Victain o puxou pelas rédeas. Algo o incomodava. E quando respirou fundo, soube o que era. O odor de enxofre e carne queimada. Ao olhar para baixo, constatou o que pressentia. Dois dedos- ou o que sobraram deles- apontavam por entre os escombros.

Estamos sobre os corpos. Pensou estupefato.

-Uma tragédia, não?

Victain agarrou o punho da espada e se virou. Tristain o fez também, mas recolheu a arma. A alguns metros deles, um senhor caminhava, calmo, prosseguia por cima dos escombros como se nada daquilo fosse estranho. Ele sorriu por entre a espessa barba branca. Percebendo que não havia perigo ali, Victain largou a espada no alforje, desajeitado.

-O senhor vive por aqui?- perguntou Tristain, da maneira mais amigável.

-Não- o velho respondeu, dando um passo.-Estou em uma espécie de jornada. Pelo jeito, vocês também.

Tristain sorriu-lhe. O senhor se abaixou e pegou a ponta de uma lança, o metal estava sujo, um pedaço de madeira ainda pendia nela. Ele falou algo muito baixo, olhando para cima.
Estranhamente, Tristain levou os olhos para cima também.

Quatro corvos grasnaram, descendo até eles, circulando o velho. Um acocorou-se no ombro do velho. E ambos começaram a falar aos sussurros.

Tristain e Victain se entreolharam. Victain bufou impaciente e fez menção de ir.

-Tomem muito cuidado daqui para frente. Eu já percorri grande caminho até aqui, e essa situação se repete...muito. Os números aumentam a cada dia.

Aquilo fez até mesmo Victain parar.

-Este forte era- o velho olhou para o corvo, que grasnou algo.- Campofertil. O que houve aqui não ocorreu a menos de três dias. Se seguirem para leste vão ver outros. Beladonzela. Atalaia do Campo Acinzentado. Dragão Altivo. Dádiva. Trono Oco. Os Roncos. E até nas montanhas de Sinard, o Flanco do Titã- ele respirou fundo, dando dois passos, fazendo os corvos saltitar atrás dele. Um foi até o cavalo e passou a encarar Victain, que tentou espanta-lo.- Para oeste. Carvalho cinza. Carvalho Torto. Vitória. Belarrainha. Vespeiro. Rubi Quebrado. Passodocorvo. Chamardente. Pessegueiro e- ele gaguejou, o corvo crocitou algo em seu ouvido e ele completou.-Cerco de Bolotas- ele sorriu.

-Obrigado pela informação, mas agora temos de ir- disse Victain, ríspido.

Tristain assentiu para o homem, mas este se entrepôs no caminho e disse em voz baixa:

-Tome cuidado- o velho olhou para o corvo, que olhou para Victain. -O caminho é perigoso- ele ergueu o resto da lança. -Mantenha sua espada por perto- ele pareceu hesitar por um momento. -Os orcs possuem olhos no céu.

O velho sorriu-lhes e tomou caminho. Ele disse algo e os corvos se moveram. O que ainda estava no cavalo voou até ele, e o que estava em seu ombro foi para o chão.

Tristain tentou espanta-lo, mas o corvo persistia em ficar. Pelo jeito aquele os acompanhariam.
Victain estava impaciente, prestes a deixá-lo para trás. Tristain o alcançou, e o amigo fez cara feia ao ver o corvo subir no cavalo e se aconchegar.

-Não tenho nem um grão para te dar, pássaro. Saia- ele abanou a mão, mas o corvo apenas ergueu o pescoço e crocitou.

-Grão?

Aço e Sangue Vol.01Onde histórias criam vida. Descubra agora