Madrugada

38 4 1
                                    


Acordo um pouco atordoado, tive alguns sonhos estranhos sobre flores caindo de altos prédios.
Calço meus chinelos e saio do quarto, ando lentamente pelos corredores gélidos e vazios até chegar no refeitório. Como já sabia, todos foram para suas casas. Pego um copo de leite e um sanduíche na geladeira e me viro, quando vejo Helena com uma fina camisola preta, um pouco transparente mas não mostrando seu corpo. Seus braços estavam nus e seus longos cabelos, bagunçados. Estava sem sua forte maquiagem e apenas de chinelos.

- Pensei que todos tivessem ido embora. - ouço ela dizer baixamente.

- Decidi ficar. - digo. - E você, por que ficou?

- Não tenho onde ir. E se tivesse, por que iria? - ela abre a porta da geladeira e pega um pouco de suco de laranja.

- Sem sono? - digo bebendo um pouco do leite.

- O sono não é meu amigo há anos. - ela termina de beber o suco e coloca o copo na pia. - Todas as vezes que me deito para dormir, meus problemas aparecem...- olho ela. - Não quero que você se assuste, já disse isso.

- É normal não dormir às vezes, ou os problemas acordarem. - digo dando de ombros. - E não estou me assustando com isso.

- Vá dormir garoto, muitas coisas acontecem aqui durante a noite. - disse ela indo em direção à saída do refeitório. - E sim, só tem nós dois.

Escuto os passos dela ao longe, indo para seu quarto solitário. Suspiro e vou em direção ao meu quarto, entro no mesmo e me deito na cama. Fecho os olhos e quando estou quase adormecendo sinto algo me incomodando e me mandando ir para o quarto de Rosa. Vou em direção do quarto da pequena primavera e sinto uma sensação ruim.
Bato duas vezes na porta mas não percebo movimento nenhum no outro lado da porta, dentro do quarto.

- Rosa esta ai? - chamo-a porém sem resposta.

Rodo o trinco da maçaneta e abro a porta enquanto e logo após fecho a mesma. Não a vejo, nenhum vestígio dela. Ouço ao longe alguém chorar, o ruido vinha do banheiro, bato na porta e volto a chama-lá novamente. O choro cessa por alguns instantes após as batidas na porta.

- Rosa, abre a porta. Não vou lhe fazer mal. - digo encostando o ouvido na porta. - Rosa?

- Saí daqui. Já disse que não irei lhe contar meus segredos. - disse ela chorando.

- O que aconteceu? Só quero ajudar.

- Nunca quiseram me ajudar, por que agora iriam querer?- disse ela.

- Porque não sou como os outros. Abre a porta...Rosa...Helena

Houve um breve silêncio, poderia chamar novamente ou suplicar, mas fiz a única coisa que poderia fazer. Viro as costas enquanto vou saindo do quarto, mas ouço a porta se abrir.

- G-Guilherme? - ela me chama. Me viro rapidamente e consigo a segura-lá antes que a mesma caía.

- O que aconteceu? - digo a olhando nos olhos. Suas flores estavam mortas, sem vida alguma.

- Me tira daqui...- foi a única coisa que ela disse.

•••••

Ela acordou assim que os primeiros raios de sol ilumiraram seu rosto. Trouxe ela para meu quarto logo depois que ela desmaiou ontem nos meus braços. Seus pulsos choravam mais que seus olhos, suas flores estavam mortas e chovia no lindo jardim de sua alma. Ela se senta na cama ainda sonolenta e boceja coçando os olhos.

- Bom dia...- digo um pouco baixo. E pelo que parece, agora que ela me percebeu aqui.

Seus olhos me encaram e por um segundo tive a certeza daquele Salmos...

"O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã..."

- O-o que você viu ontem a noite ? - disse ela ainda me encarando.

- Vi seus pulsos...ouvi seu choro e senti teu corpo. - me sento na mesma cama que ela. - Rosa... Por que?

- Por que o que?- disse ela me olhando.

- Por que dos cortes, por que da solidão, por que do choro?- vejo ela abaixando a cabeça.- Você é uma menina tão linda, tão perfeita mas você se isola e não dá a chance para as pessoas....

- Dei a chance para você....- disse ela -Não me chame de linda muito menos de perfeita. Porque são coisas que não sou, e nunca serei.

- Vem cá...- a pego pela mão e a levo para frente do espelho.- Se olha no espelho. E me diz, o que vê.

Ela encara a si mesmo pelo espelho. Olha para um lado, olha para o outro e se fixa no rosto. Passa os olhos para o pequeno corpo, agora coberto por uma longa camisa velha que tinha.

- Sou gorda. Estou horrível. Ninguém nunca me suportou por tanto tempo.-disse ela. - Olha esse cabelo e esses olhos, deveriam ser verdes ou azuis. E ela barriga...pareço uma baleia. - vejo uma lagrima escorrer de seus olhos. - Agora olhe essas estrias...- ela ergue a blusa mostrando suas mais pelas poesias. - Grandes vermelhas ou roxas horríveis. E o pior...- ela ergue a manga da blusa e olha seus mais recentes cortes. - esses cortes..não são porquê quero ou porquê é modinha, faço isso para me aliviar. Eu me odeio...ME ODEIO.

Ela se ajoelha, se encolhe no chão, abraçando as pernas e chorando. Fecho os olhos enquanto sinto algumas lagrimas escorrendo dos meus olhos. Era demais para minha pequena primavera. Me ajoelho na sua frente e a abraço forte.

- Ei...me escuta. Só escuta. - olho ela. - Você é linda do seu jeito. Seus olhos e cabelos são perfeitos, tu não és gorda muito menos uma baleia. E suas estrias..são poesias, apenas não as mostre à alguém que não sabe ler. E esses cortes.... Oh pequena, são os espinhos que toda rosa tem. Minha linda, você é a mais linda flor no meio de tantas margaridas iguais.

PrimaveraOnde histórias criam vida. Descubra agora