I - Menino-Fantasma

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Foca, moço, foca, pensa, escuta, foca, olha bem, pensa no que tá fazendo, não importa o que estão falando, ouve essa música, foca, o balcão, a caneta e o guardanapo, para de tremer, você já bebeu demais por hoje.

Seu amigo ao lado grita por causa do som perto do seu ouvido:

– QUANDO EU ERA CRIANÇA TINHA MEDO DE GENTE Bêbada. AGORA EU SEI QUE A GENTE NÃO FAZ NADA.

É engraçado, e você gosta dele, talvez por ele você está aqui, ou então por causa do garoto no fundo do salão, ou por causa da garota que você beijou indo ao banheiro. Os dois sempre estão aqui, mas você não os observa como deveria, você nunca flerta, só chega e se encosta no balcão do bar, pede algo pra beber, puxa o suporte de guardanapos e começa a escrever. É inútil isso você sabe, sempre soube, tentar escrever estando bêbado, primeiro que você não sabe beber, segundo que você não sabe mesmo beber, e terceiro que você não pensa nas coisas que fala e nas coisas que escreve quando está bêbado. Você manda cartas, você escreve livros, você mente e omite o infinito quando está alto, você se altera, e literalmente se transforma, mas em silêncio no papel ou aos gritos.

– EU DEVIA TER FICADO EM CASA. – Você admite, e talvez tenha mesmo razão.

Vai, vamos, se anima. Essa música você conhece, é verdade que você não sabe dançar, mas você pode sorrir quando reconhecer um trecho, e até cantar baixinho, ou arrebentar a voz, porque ninguém vai te ouvir direito. Escuta bem.

Se bem que não. Essa por acaso não é aquela mesma música que vocês ouviam quando ele vinha te buscar em casa e tocava alto no carro só para não terem muito o que conversar no caminho até o trabalho?

Calma, não era assim tão implícito. A letra é clara, mas não tem de fazer sentido pra você, não necessariamente precisa significar algo, era só uma música que ele tocava, que ele gostava e que você também.

Não precisa resgatar memórias agora, por favor, para, você não tá aqui pra isso, você não veio pra cá pra isso.

Ele te viu na rua hoje, sim, era ele. Mas e dai? Ele te viu uma esquina à frente e decidiu mudar o caminho e passar pela outra rua, e mesmo que aquela não fosse a rota habitual dele, que importância isso tem? Vai se martirizar por isso? Sai dessa BAD, essa cara de mal-amado não cai bem em você.

Tá vendo aquela moça ali? Não, não aquela. A outra do lado daquela de azul, sim, sim!, a toda de preto. Ela não para de olhar pra você, e posso jurar que ela acha que você está rabiscando o seu número para dar para alguém, talvez para ela, espera. Ela pode estar certa, não acha? Se você rasgar esse seu bilhete suicida e sair desse abismo pessoal, dar um ou dois três passos na direção dela, tenho certeza de que ela vai ir até você também.

Não me desacredite, eu sempre tenho razão, você sabe, isso é uma lei universal. E não me obrigue a no futuro dizer outra vez a única coisa que eu sei dizer: "Eu te avisei".

Não vou te pedir pra parar de novo, porque isso uma hora acaba ficando chato, mas você precisa parar com isso, parar de ser assim. Se abre rapaz, se mostra, se rebela. Porque pra você é difícil acreditar que o grande amor da sua vida pode sim estar aqui dentro desse salão. Você simplesmente não consegue, você sequer tenta.

Eu não quero te ver amando um fantasma pra sempre.

Não, eu não estou lendo o que você está escrevendo, mas eu entendo essa sua alma poética, eu sei que fantasma agora é o nome dele, que metáfora melhor há de ser inventada, que a ausência dele é a presença também, que mesmo não estando aqui, ele está de certa forma, aterrorizando você.

Menino-JúpiterWhere stories live. Discover now