II - Lua em Câncer

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Por mais dolorido que fosse, ele tomou coragem e foi ela até a porta, não fez questão de abri-la como pede o protocolo, quando alguém sai da sua casa, ela não pode abrir a porta pra ir embora, se fizer isso ela não volta, e apesar de não acreditar nessa superstição barata, ele sabia que de qualquer forma ela não iria voltar, e não abrir a porta para ela, talvez fizesse com que ficasse.

Ele se encostou na parede, no meio do corredor, há poucos metros da porta, mal vestido, despenteado, barba desgrenhada e suja, só cruzou os braços com força sobre o peito e olhando pra baixo perguntou:

– Você vai mesmo?

Ela só fez que sim com a cabeça.

E era difícil olhar pra ela, por mais necessário que fosse, por mais que quisesse ver a franqueza nos olhos dela,

– Okay – ele disse, porque não podia fazer mais nada, nem devia fazer; era a decisão dela e já tinham passado dessa parte. – Você vai pra onde?

– Eu não sei – ela confessou num sussurro. Jogou o cabelo pra trás e suspirou. – Vou tentar pegar um ônibus e voltar pra casa.

– Deixa eu te levar?

– Não – ela respondeu com um sorrisinho no rosto, desses que sempre dava quando não conseguia contestar algo, mas não podia aceitar. – Você está praticamente nu – ela fez menção ao meu estado.

Ele riu, porque ela tinha razão, do jeito que havia ido se deitar ele havia levantado naquele dia. O gosto ruim ainda estava na boca, estava descalço, só de cueca e uma blusa preta de manga comprida cobrindo os braços.

– Eu consigo me aprontar em menos de um minuto – concluiu rindo.

– Não – ela riu de volta. – Você nunca conseguiu.

Ele segurou a expressão facial por um segundo, porque ocorreu-lhe o ridículo daquilo. Por que estava rindo com ela? Ela estava indo embora, ele devia se sentir destruído, porque ele havia jurado que a amava, e agora estavam terminando aquilo da melhor forma possível.

– Você vai ficar bem? – ele perguntou mais pela necessidade de ocupa-la, de mantê-la ali por mais alguns minutos, para poder olhá-la por mais algum tempo, antes de a saída dela ser decisiva.

Ele sabia que a casa ficaria vazia depois daquilo, que não haveria mais vida em nada ali, que as caixas de fastfood se amontoariam na mesa de centro da sala, e que seus livros ficariam escondidos pela poeira da mesma forma que as cinzas dos seus cigarros abarrotariam todos os cinzeiros e copos ao seu alcance. De certa forma, ele tinha plena certeza de que assim que ela saísse por aquela porta, por um bom tempo ele não encontraria motivos para continuar levando a vida como levava com ela. Talvez se demitisse, porque era o que sempre fazia quando se sentia mal, ficaria um ou dois meses parado em casa, não mal, mas só vegetando, sem sofrimento, só anuviando a mente, e depois voltasse à rotina, porque era isso o que sempre fazia.

– Eu vou ficar bem – ela disse levando uma mão no braço dele, tentando reconforta-lo.

Mas ele já estava confortado, ele estava lidando bem com aquilo, só era confuso porque ele não queria que fosse assim, ele queria sentir-se diferente, queria sentir-se loucamente apaixonado, ou desesperadamente dependente, queria ter medo de perdê-la, mas não conseguia.

– Você vai me ligar quando chegar? – perguntou, mas não pela necessidade de falar com ele depois disso, mas pela culpa que sentia, não queria parecer que a estava abandonando.

– Eu não tenho certeza. Talvez eu ligue sim.

Ele fez que sim com a cabeça. Queria, mas não queria que ela ligasse. Não era o tipo de cara que acredita que depois de uma história de amor mal sucedida pode vir a surgir uma amizade forte, ele simplesmente não conseguia imaginar a ideia de ter uma amiga com quem já dormira.

– Tá tudo bem, então – ele conclui na ausência de algo melhor a se dizer.

– Você vai ficar bem? – ela quem perguntou dessa vez, o que era claro, ele ficaria bem sim, ao seu modo, ele ficaria bem.

Quando chegaram a conclusão de que não dava mais, que não havia mais nada o que ser feito, os dois admitiram no mesmo momento.

Ela queria um amor profundo, um amor intenso e duradouro, ela chegava a imaginar o futuro desse amor, e esperava que fosse com ele.

Ele queria um amor, ainda o quer, assim como ela também, ele queria um amor verdadeiro, ele queria se entregar de verdade a alguém, sentir de verdade aquele frio na barriga, as borboletas, a ansiedade, e se achar completo com alguém antes de se imaginar numa relação definitiva.

Estavam juntos há um bom tempo, mas ele não conseguia ter certeza de que era com ela que ele queria passar o resto da sua vida. Ele a amava, de uma forma sincera e verdadeira, e todas as coisas que fazia por ela eram intensas e cheias de sentimentos dignos. Mas ele não se sentia vivo, não se sentia completo, e realizado. Na verdade ele se sentia mal com aquilo, muito mal, parecia que estava brincando com os sentimentos dela. Ela via nele um amor devoto, um amor intenso, um carinho único, mas tudo o que ele fazia era atender às expectativas dela, ele só queria ser o melhor para ela, porque ela era o melhor para ele.

Então chegou a hora de parar de fingir. Ele admitiu para ela, e ela entendeu, de fato eram polos distantes de um mesmo planeta, completamente oposto. Canceriana. Desde o início sabiam que de certa forma era um risco, e por terem aceitado isso desde o começo, no final não tenham de fato sofrido. Eram tão diferentes e talvez essa diferença tenha os atraídos.

– Eu tô bem – ele respondeu.

Ficar bem talvez ele não ficasse, porque depois de algum tempo talvez lhe batesse o remorso, ele pensasse que talvez a amou errado, que talvez não se dedicou de fato a ela e que por isso não deu certo, e então começaria a se perguntar o que aconteceu, o que fez, o que foi que mudou o que sentia no início, e fez ser diferente assim no fim. Ele quis tanto tentar com ela, ter uma chance com ela.

Ela estava sendo mais uma, assim como sua natureza predizia, mais uma com quem ele tentava e dava errado, e isso só fazia acentuar a ideia de que talvez ele nunca encontrasse ninguém, que ele talvez não tivesse nascido para isso, que amor e sentimentos nunca vai ser algo que ele entenda de verdade.

Menino-JúpiterWhere stories live. Discover now