VIII - Hino

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Ele estava sentado de costas para a porta bem no meio da cama com os cobertores lhe cobrindo as pernas, inclinado com os músculos das costas dançando ao som do nosso hino.

Eu parei por um segundo e fiquei ali, escorado na escrivaninha com uma xícara de chá quente na mão, observando-o e quase sentindo como o seu corpo se movia devagar e delicado pela manhã.

A janela estava aberta e ele olhava além dela, enquanto os sons dos carros lá embaixo entravam no quarto junto do som dos pássaros fazendo parecer tudo parte da música.

Eu senti vontade de ir até ele, de tocá-lo nas costas nuas, subir os dedos seguindo a linha da espinha sentindo o vão aberto pelos músculos marcados e abrir minhas mãos em seus ombros para puxá-lo para mais perto de mim.

Mas eu não fui, eu continuei ali hipnotizado com a xícara à meio caminho da boca aquecendo meu rosto com o vapor. E o corpo dele conseguia ser ainda mais quente.

Ele levantou os braços devagar numa delicadeza cadenciada seguindo as referências e os movimentos indianos da música, puxando e abrindo as mãos despetaladas tal qual flor.

Eu precisava dormir, mas vê-lo assim me fazia querer continuar acordado mesmo depois da madrugada em claro, cego por mais alguns momentos com aquele anjo.

A música amansou e ele começou a mexer o pescoço num ritmo sincronizado e preciso; foi quando virou de leve e me notou ali. Ele me sorriu tímido, mas não parou envergonhado, continuou a sentir o vento da janela, a música e o movimento do próprio corpo.

Tomei um gole do chá e sorri contente comigo mesmo por tê-lo ali, no lado que sempre ficava vazio na cama, ao alcance das minhas mãos.

O corpo dele parecia poesia. Seu corpo era poesia.

Antes de a música terminar, pouco antes, ainda no ritmo calmo e marcado, com movimentos precisos e desenhados ele abriu outra vez as mãos em flores e tornou a fechá-las, a guardá-las recolhendo os braços e os amarrando em volta de si.

Eu baixei a xícara de chá e a deixei na escrivaninha, abandonada para esfriar sozinha, e nos segundos finais eu me acheguei à cama atraído pelo calor do corpo dele e rocei o meu rosto em seu pescoço.

Como flor outra vez ele se abriu e tombou seus galhos em mim, prendeu-me entre seu ombro e seu rosto, me mantendo com os lábios ao pé do seu ouvido assim que a música acabou.

Ele continuou flor, mas só até a música começar de novo e eu me libertar.

N

Menino-JúpiterWhere stories live. Discover now