VI - Sonhos Piscianos

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Nasci em novembro, no primeiro decanato de Sagitário, e embora meu nome seja Vincenzo, ainda todos me chamam por Júpiter.

Começaram com isso quando eu mal tinha treze anos, e no ensino fundamental, em uma aula tediosa de ensino religioso, a professora me classificou como pagão por conta de uma teima infantil em defender o que eu acreditava cegamente sobre estrelas e astros.

Primeiro eu era Júpiter, o maior planeta do sistema solar, regente de Sagitário. O apelido devia ser uma ofensa, uma alusão à minha cabeça dura, ou vulgarmente falando, o meu cabeção. Mas eu gostava do nome, não significava para mim tanto quanto para eles, então eu me tornei Menino-Júpiter, e leguei Menino-Sagitário, também Menino-Planeta, e outros apelidos nem tão significantes.

Desde criança, acho que talvez por não ter muito no que acreditar, acabei por acreditando firmemente no destino traçado nas estrelas. Não foi nada ou ninguém que me fez acreditar nisso, foi algo como uma crença infantil evoluindo e culminando nesse fascínio eterno que carrego, pelo céu. E até hoje é uma crença inocente, sem vínculos religiosos ou espirituais, eu só acredito, sem fantasias ou laços misteriosos, nunca esperando milagres, mas aceitando o acaso. Porque o destino é isso, o acaso, talvez aconteça, talvez não, mas é preciso acreditar em algo, se agarrar a isso, levar consigo uma fé em algo, de qualquer forma.

Eu escolhi acreditar nas estrelas que sempre me foram visíveis.

Desde criança eu passei noites aprendendo a ler as estrelas, a entender os astros, e agora o que vejo serve de consolo, um alento inócuo. Não me faz bem, mas também não me faz mal.

Nunca li um julgamento das estrelas, porque as estrelas não julgam ninguém, diferente do que pensam as pessoas, elas nos mostram quem somos, nos faz perceber quem éramos, e abre os nossos olhos para quem podemos ser.

E o céu aqui é lindo, me sinto na obrigação de mencionar. O céu daqui não é assim como nesses cantos do mundo onde a natureza contribui também para a beleza da visão, o céu daqui é um céu simples e ao mesmo tempo único.

As estrelas são bem visíveis no céu limpo de pano de fundo num tom azul escuro, não como o céu preto ou avermelhado da cidade grande, é um azul de tom inigual. O céu daqui parece puro, limpo não só de nuvens, mas de tudo, como se ele começasse aqui e se espalhasse pelo mundo. Olhando do chão é quase como se o céu estivesse ao alcance das mãos, como se você levantasse na ponta dos pés e esticasse os dedos fosse conseguir roubar uma estrela.

Há também as montanhas que a noite são só traços escuros nas noites mais claras delimitando o início e o fim do céu.

Até mesmo quando chove o céu tempestuoso não consegue ser assustador, porque a lua insistente sempre está furando as nuvens mais finas com um brilho esmaecido, num impasse que a tempestade revida com uma bateria de relâmpagos esbaforindo que não só a lua consegue fazer da meia-noite meio-dia.

Mas o céu é a única coisa bonita que vejo daqui. A cidade em si é cinza e as pessoas são tão tristes. Como o dono da padaria que nunca o vi sorri, ou a caixa do supermercado que ostenta seu olhar de desdém.

Eu não me importo com essas pessoas, nem elas se importam comigo parece, tento ignorar tudo isso. Eles mal sabem quem eu sou, e eu não sei nada sobre nenhum deles. Eles não significam nada pra mim, e não é mero ato de ensimesmar, não tenho laços com ninguém aqui, só tenho o céu.

Falam de mim, claro, mas nunca dou ouvido ao que dzem, a franqueza deles não me importa, porque sei que a franqueza dos astros machuca menos que a das pessoas.

Menino-JúpiterWhere stories live. Discover now