Capítulo 6

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Decidi jamais perguntar a ele. Se o príncipe Clarkson teve momentos íntimos com Tia, eu não queria saber. E se não teve e eu perguntasse, estaria quebrando nossa confiança antes mesmo de tê-la consolidado. O mais provável era que tudo não passava de um boato, iniciado pela própria Tia a fim de nos intimidar. E vimos aonde isso a levou.

Era melhor ignorar essas coisas.

O que eu não conseguia ignorar era a dor latejante no rosto. Horas depois de a rainha ter me batido, minha bochecha ainda pulsava de dor.

- Hora de trocar o gelo - Emon disse ao me entregar outra bolsa.

- Obrigada - agradeci, devolvendo a antiga.

Quando voltei ao quarto implorando por algo para amenizar a dor, minhas criadas perguntaram qual das Selecionadas havia me batido, jurando denunciar imediatamente ao príncipe. Respondi várias vezes que não havia sido nenhuma das garotas. Uma criada jamais teria feito isso. E elas sabiam que eu tinha passado a manhã inteira no Salão das Mulheres, o que deixava apenas uma opção.

Elas não precisaram confirmar. Já sabiam.

- Quando fui pegar gelo, ouvi que a rainha vai tirar umas férias curtas sozinha semana que vem - Martha comentou, sentando no chão ao lado da cama.

Eu estava sentada diante da janela, com a visão dividida igualmente entre a muralha do palácio e o céu aberto.

- É mesmo?

Ela sorriu.

- Parece que o número de visitantes exigiu muito de seus nervos, então o rei lhe pediu para tirar uns dias de descanso.

Revirei os olhos. Ele tinha gritado com ela por causa de vestidos caros para em seguida lhe dar férias. Mas eu não podia reclamar. Uma semana longe dela seria o paraíso naquele momento.

- Ainda dói? - perguntou Martha.

Desviei o olhar e fiz que sim com a cabeça.

- Não se preocupe, senhorita. Até o final do dia vai ter passado.

Quis contar que a dor não era o verdadeiro problema. Minha preocupação real era que aquele tinha sido um dos sinais de que a vida de princesa poderia ser, na melhor das hipóteses, desafiadora. Na pior, seria horrível.

Eu repassava aquilo que sabia: o rei e a rainha se amaram até determinado ponto, mas agora se esforçavam para conter o ódio. A rainha era uma alcoólatra obcecada pela coroa. O rei, no mínimo, estava à beira de um ataque de nervos. E Clarkson...

Clarkson fazia o máximo para parecer resignado, calmo e controlado. Mas debaixo dessa aparência, havia um riso infantil. E era um milagre que o príncipe conseguisse juntar os pedaços quando se despedaçava.

Não que eu ignorasse o que é sofrimento. Eu trabalhava até a exaustão. Suportava um calor escaldante. Apesar de ser Quatro, o que deveria me garantir algum nível de segurança, vivia à beira da pobreza.

A vida de princesa seria uma nova dificuldade para enfrentar. Isso, claro, se o príncipe Clarkson me escolhesse.

Mas se eu fosse escolhida significaria que ele me amava, certo? E será que tudo não valeria a pena então?

- No que a senhorita está pensando? - Martha perguntou.

Abri um sorriso e peguei sua mão.

- No futuro. O que não adianta nada, acho. O que tiver de ser será.

- A senhorita é doce. Ele vai tirar a sorte grande se a escolher.

- E eu se for escolhida.

Era verdade. Ele sempre foi tudo o que eu desejei. Eram as coisas que vinham junto que me assustavam.

Danica calçou outro sapato de Bianca.

- Serve direitinho! Muito bem, levo esse e você fica com o meu azul.

- Feito - Bianca disse ao apertar a mão de Danica sorrindo de orelha a orelha.

Ninguém nos dissera para ficar longe do Salão das Mulheres pelo resto da semana, mas todas as garotas optaram por isso. Em vez de ir ao salão, formávamos grupos e passávamos de um quarto a outro para provar as roupas das outras e conversar como sempre.

Com uma exceção: sem a rainha por perto, as garotas se transformaram em... bem, em garotas. Todo mundo parecia mais leve. Em vez de se preocupar com o protocolo ou com as boas maneiras de uma dama, nos demos o direito de sermos as garotas que éramos antes de nossos nomes terem sido sorteados, as garotas que éramos em casa.

- Danica, acho que vestimos quase o mesmo tamanho. Aposto que tenho vestidos que combinam com esse sapato - propus.

- Imagino que sim. Você ficou com uma das equipes boas. Cordaye e também. Você viu as coisas que as criadas dela fazem?

Soltei um suspiro. Não sei como, mas as criadas de Cordaye faziam o tecido ter um caimento que não via em mais ninguém. Os vestidos de Nova também estavam um patamar acima dos outros. Me perguntei se a vencedora da Seleção poderia escolher as próprias criadas. Eu dependia tanto de Martha, Cindly e Emon que não era capaz de me imaginar no palácio sem elas.

- Sabem o que é mais estranho? - perguntei a todas.

- O quê? - Madeline disse enquanto revirava a caixa de joias de Bianca.

- Um dia as coisas não serão mais assim. No final, uma de nós ficará aqui sozinha.

Danica sentou ao meu lado na mesa de Bianca.

- Eu sei. Acha que esse é um dos motivos para a rainha ter tanta raiva? Talvez tenha ficado muito tempo sozinha.

Madeline balançou a cabeça.

- Acho que é uma escolha. Ela poderia convidar qualquer pessoa para vir ficar no palácio se quisesse. Poderia trazer uma família inteira para morar no palácio se fosse do seu agrado.

- Não se isso incomodasse o rei - replicou Danica.

- Verdade - concordou Madeline, já de volta à caixa de joias. - Não consigo captar muito o rei. Ele é meio alheio a tudo. Você acha que Clarkson vai ser assim?

- Não - respondi, rindo comigo mesma. - Clarkson tem sua própria personalidade.

Ninguém acrescentou mais nada. Levantei o olhar e deparei com um sorriso malicioso nos lábios de Danica.

- O que foi?

- Você está enfeitiçada - comentou, quase com pena de mim.

- O que quer dizer?

- Se apaixonou por ele. Pode descobrir amanhã que ele chuta cachorrinhos por diversão e ainda assim vai continuar a suspirar.

Me endireitei um pouco na cadeira.

- Ele pode ser meu marido. Será que não deveria amá-lo?

Madeline caiu no riso, e Danica insistiu:

- Ah, claro, mas o modo como você age... Parece apaixonada por ele desde sempre.

Fiquei vermelha e tentei não pensar na vez em que roubei moedas da bolsa da minha mãe para comprar um selo com o rosto dele. Eu ainda o tinha, colado em um papelão que usava como marcador de página.

- Eu o respeito - argumentei. - Ele é o príncipe.

- É mais que isso. Você levaria um tiro por ele se necessário.

Não respondi.

- Você levaria mesmo! Meu Deus!

Levantei.

- Vou pegar alguns vestidos. Já volto.

Tentei não me assustar com os pensamentos na minha cabeça. Porque se precisasse escolher entre Clarkson e mim, não sei se seria capaz de me colocar em primeiro lugar. Ele era o príncipe, e sua vida tinha um valor inestimável para o país. Mais que isso, tinha um valor inestimável para mim.

Dei de ombros na tentativa de afastar o pensamento.

Afinal, não era como se isso fosse acontecer algum dia

A Rainha - Felizes Para SempreOnde histórias criam vida. Descubra agora