Day

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Logo que June saiu da casa de Tess, o ambiente ficou estranho, Páscoa e Éden conversavam sobre alguma coisa relacionada a engenharia. Tess estava falando sobre os tempos em que passávamos na rua, sempre correndo de um lado para o outro, mas a verdade era que não estava prestando atenção em nada. Tudo que conseguia pensar era uma coisa.
June.
Era estranho, toda minha vida havia me sentido incompleto, e por um segundo ao lado dela, essa solidão que sempre sentia se foi. E queria cada vez mais estar junto a ela.
- Day? - Tess me chamou, ao meu lado, jogando uma de suas almofadas em mim. - Está me ouvindo?
- Desculpa, Tess - digo, pegando a almofada do chão. - Estava distraído.
- A distração dele - disse Éden se aproximando - tem nome e sobrenome.
- June Iparis - disse Páscoa.
- Começaram - protestei. - Estava demorando.
- Como se sente? - perguntou Tess. - Agora que a viu.
- Estranho - digo, me levantando. -É algo impossível de descrever.
- O vazio que ele sempre sentiu - disse Éden - agora está completo.

- Com June - completou Páscoa.

- Ela sentiu sua falta nesse tempo - disse Tess. - Sofreu mais que todos quando você acordou e não se lembrava dela.
- Eu ainda não entendo. Como poderia me esquecer de tudo que vivi?
- Houve uma invasão, Day.
- Das Colônias contra a República, estou sabendo.
- E nela uma ex-comandante atirou em você - disse Páscoa.
- Ela só fez isso para abalar a June - disse Tess. - E então conseguiu.
- Mas como? - protestei.
- Com o tempo irá descobrir, Day - disse Éden. - Vamos para nosso apartamento? Amanhã preciso acordar cedo e estar no setor *batalla*.
- Claro, Éden. Havia me esquecido.
- Foi bom revê-la, Tess - disse ele a abraçando. Em seguida se despediu de Páscoa. - Depois terminamos nossa conversa.
- Até mais, Tess - digo a abraçando. - Vou falando com você durante a semana.
- É bom o ter de volta, senti sua falta. E creio que June também.
- Até mais, minha amiga.
- Foi bom vê-lo, Páscoa - digo, apertando sua mão.
- Finalmente de volta, bonitão.
- Vamos, Éden?

*****

- Estou indo dormir, Day. Amanhã acordo cedo e ainda não me acostumei com tudo aqui.
- Tudo bem, Éden. Quer que eu o leve amanhã?
- Vai ficar parecendo que sou uma criancinha. Não, obrigado. Eu me viro, qualquer coisa eu te ligo.
- Tudo bem, então. Boa noite, durma bem.
- Obrigado, você também.
Logo que Éden foi para seu quarto fiquei com meus pensamentos, era estranho o fato de não me lembrar de tudo que vivi na República quando morava aqui, e não me lembrar de June. Era impossível esquecê-la. Queria descobrir tudo que havia passado ao lado dela, queria descobrir cada aventura que tínhamos juntos, queria descobrir o por quê havia aquele brilho nos seus olhos quando falava comigo. Mas a única forma para tudo isso seria o tempo. Fiquei perdido em pensamentos que não vi a hora passar, já estava tarde quando decidi ir dormir.
Caminhei lentamente pelo corredor até o quarto. Procurei pela parede, mas foi em vão, tentei caminhar até a cama que estava do outro lado do quarto sem bater em tudo, mas não deu certo. Acabei batendo o pé esquerdo em alguma coisa que, por conta da escuridão, não conseguia ver o que era. Estava quase chegando na cama quando bati novamente em algo, mas dessa vez foi minha cabeça.
Instantaneamente senti uma tontura tomar conta de mim, e minhas pálpebras estavam pesadas. Caí na cama e adormeci.
Estava tudo escuro, mas começou a clarear, como um belo dia depois de uma longa noite de sono.
Um clarão forte de relâmpago, um retumbar de trovão, o barulho de chuva forte. Longe daqui, o som pungente das sirenes que avisam sobre inundações. Abro os olhos e os estreito para ver a água caindo neles. Por um instante, não consigo me lembrar de nada, nem do meu nome. Onde estou? O que está acontecendo? Estou sentado bem ao lado de uma chaminé, encharcado. Estou no telhado do edifício auto. A chuva cobre o mundo ao meu redor, o vento assobia através da minha camisa ensopada, ameaçando me fazer voar. Busco abrigo através da chaminé. Quando olho para o céu, vejo um campo interminável de nuvens que se movem, negras e furiosas, iluminadas pelos raios.
De repente, lembro de algumas coisas. Do pelotão de fuzilamento, do corredor, das telas planas, de John. Da explosão, de soldados em toda parte. De uma garota na qual eu não conseguia me lembrar. Era para eu estar morto, com o corpo crivado de balas.
- Você acordou!
Largada, quase invisível na noite, havia uma garota com cabelos escuros, não conseguia identificar seu rosto. Ela está sentada desconfortavelmente, encostada na parede da chaminé, sem se importar com o toró que lhe escore no rosto. Eu mudo de lugar e me viro para ela. Um espasmo de dor percorre minha perna machucada. Palavras parecem se prender na minha língua e se recusam a sair.
- Estamos nos arredores de Valência. Os Patriotas nos trouxeram para o lugar mais longe a que se dispuseram. Daqui, foram para Las Vegas - lágrimas escorrem de seus olhos. - Você está livre. Saia da Califórnia enquanto pode. Eles vão continuar a nos perseguir.
Abro e fecho a boca: estarei sonhando? Apresso-me a me aproximar dela. Uma das minhas mãos toca seu rosto. Ela é real.
- Que ...que aconteceu? Você está bem? Como você me tirou do Batalla Hall? Eles sabem que você me ajudou?
Ela apenas olha fixamente para mim, como se tentando decidir se respondia ou não às minhas perguntas. Finalmente, ela olha de relance para a beira do telhado:
- Veja você mesmo.
Esforço-me para me levantar. Agora posso olhar do telhado para os telões que forram as paredes. Vou mancando até a beira do telhado, até a grade, e olho para baixo. Estamos mesmo nos arredores. Agora dá para perceber que o edifício em que estamos empoleirados está abandonado e tapado com tábuas, e que apenas dois telões neste quarteirão inteiro estão funcionando. Olho para as telas.
A manchete que nelas aparece me deixa sem fôlego.

DANIEL ALTAN WING EXECUTADO HOJE POR UM PELOTÃO DE FUZILAMENTO

Acordei assustado, só poderia ter sido um sonho, e precisava saber se havia acontecido tal barbaridade. Ligaria para Tess. Era a melhor oportunidade que tinha.
Peguei o celular no bolso da calça e disquei seu número. Ela atendeu no terceiro toque.
- Bom dia - disse do outro lado da linha, e então percebi que estava com uma tremenda dor de cabeça. - Quando disse que ligava não imaginei que seria tão cedo.
- Preciso te perguntar uma coisa.
- Pode falar.
- Eu fiquei preso na República e fui dado como morto?
- Sim, pouco tempo depois que conheceu a June. Por quê?
- Eu me lembrei disso, e lembrei que John foi morto no meu lugar. - Ela fica muda por um tempo enquanto continuo. - Era para eu estar morto, mas June salvou minha vida.

O Reencontro - LegendOnde histórias criam vida. Descubra agora