Desculpe ter demorado a escrever, querida amiga, mas ando bastante ocupado. Sei que entenderá... Li e refleti sobre a sua última correspondência. Aquela que contava sobre a questão daquele estupro coletivo que ocorreu em São Paulo e sobre a tradicional culpabilização da vítima.
Eu me lembro que de imediato a garota reclamou que o delegado estava acusando-a de ser culpada pelo estupro. Pois ele teria perguntado se ela já tinha feito sexo grupal antes, que hora ela tinha ido para aquele morro, como estava vestida, com quem estava e, principalmente, por que estava naquele lugar tão perigoso. Certamente a advogada da garota deve tê-la orientado sobre a culpabilização.
Foi melhor mesmo que o secretário de segurança tenha trocado o delegado e colocado uma delegada para cuidar desse caso tão polêmico. Tudo bem, vamos considerar que o julgamento popular tenda a culpar a mulher estuprada. As pessoas logo dizem que, se estava se expondo ao perigo, era porque queria ser estuprada e ponto, não deveria reclamar de nada.
Mas agora vamos retirar da análise a culpabilização da vítima, não importando que a garota seja promíscua, imprudente e aventureira, caso seja, quero dizer. Coisas que, para o pensamento popular, já condenaria a vítima como a maior responsável pelo crime. Vamos considerar que tudo o que a garota disse sobre o crime seja verdade. Mesmo porque todos somos inocentes, até que alguém prove o contrário.
Consideremos alguns exemplos sobre a culpabilização das vítimas. Acha que mesmo uma prostituta velha pode ser estuprada? Alguns acham que isso é uma contradição, já que uma prostituta trabalha se expondo a vários tipos de perigos! Porém, seguindo o conceito de estupro, ela pode ser perfeitamente violentada. Isso parece muito evidente, mas para muitas pessoas não é...
Ora, imagine que uma prostituta esteja voltando pra casa, com uma roupa normal, e é abordada por um estranho que não a conheça. Ela pode rejeitá-lo e ainda assim ser violada. Da mesma forma que se estivesse com roupas chamativas e fosse abordada por um conhecido, que soubesse de sua profissão e, sendo rejeitado, poderia usar de força e violá-la. Quer dizer, tanto faz! Para um criminoso, não importa a profissão, as roupas, o horário, a idade ou o lugar. Sendo mulher, tá valendo! Em geral.
Até uma freira pode ser estuprada dentro da igreja, imagine as mulheres em outros locais! Então, retornando ao último caso de estupro coletivo, não faz diferença que a garota seja promíscua, viciada em drogas, imprudente ou aventureira. Ela poderia ser violada da mesma maneira. Parece que ela se drogou e apagou. Ou foi drogada e apagou. Após o que foi violada e exposta na Internet. Hoje tudo cai na Internet, você sabe.
Considerando-se o que a garota falou, tudo indica que ela foi pega por uma quadrilha de traficantes que já era acostumada a estuprar coletivamente. Não sei se ela foi vendida pelo namorado ou se eles foram capturados. Não se sabe se o suposto namorado participou do crime... As policiais ainda estão investigando.
Dessa vez a Polícia está sendo obrigada a responder duramente a este crime hediondo! De qualquer modo, tudo muda num crime como esse, quando é retirado o discurso da culpabilização da vítima. Não sei se consegui ser claro, mas, de qualquer forma, espero por sua resposta.
Ilha Bela, 15 de Junho de 2011.
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Narrativas - Contos - Volume 22
Short StoryA obra é uma coletânea de micronarrativas sobre os mais variados temas, especialmente crítica social, costumes e Surrealismo.