Maria, que sempre se achou muito esperta, estava cansada de usar o transporte coletivo. Odiava esperar por ônibus atrasados e lotados. E odiava acima de tudo ter que gastar seu pouco dinheiro só para ficar presa em engarrafamentos! Como tinha arranjado um namorado com acesso a um veículo, achou por bem transformá-lo em seu motorista. O problema era que o tal namorado (que era supostamente rico) nem sequer pensava em se dar ao trabalho de tirar uma carteira de motorista! Sendo assim, como convencê-lo a tornar-se seu motorista particular? Maria não podia confrontá-lo ou pressioná-lo, pois isso só o irritaria, eliminando qualquer chance de sucesso! Como para ela "tudo o que tem pau é fácil de enganar", resolveu criar um argumento para convencê-lo. O plano era dizer que poderia usar o veículo da família dela, sem ter que humilhar-se pelo carro da família dele. Uma vez que ele tirasse a carteira de motorista, ela, discretamente, o faria pedir o carro da família dele. E, desse modo, Maria sutilmente arranjaria um motorista particular para atendê-la a qualquer hora do dia ou da noite! Já que, para ela, a principal função de um namorado era servir de empregado à sua parceira.
- Meu amor, já que você não quer pegar o carro do seu tio, porque ele é muito chato com as coisas dele, vamos combinar diferente. Amanhã você entra numa auto-escola e procura tirar a tua carteira de motorista! Você vai ver como vai ser bom pra gente! Vamos poder passear mais longe e até chegar mais tarde, sem a preocupação com os ônibus! Sem falar nos assaltos frequentes! Ao mesmo tempo...
- Já sabe a minha opinião... E a resposta é não.
- Eu sei, mas escuta só um pouco! Você não vai precisar implorar pelo carro do teu tio, que é um fresco. Eu vou falar com o meu pai e ele com certeza vai emprestar o nosso carro pra você dirigir. Todos gostam de você na minha família. Vai ver que vai dar tudo certo. Não vai ter nenhum problema. Você só precisa tirar a bendita carteira de motorista! O que acha?
- O que eu acho? Não acho. É péssima essa ideia de eu dirigir o carro da tua família! Pois, e se de repente eu sofrer algum tipo de acidente? Se eu atropelar alguém, por um segundo de distração no trânsito? Se algum bêbado bater no carro do teu pai, comigo dirigindo? Como vai ser? Não posso responder por nenhum dano ao carro da tua família, nem tenho como pagar não sei quantos mil, em caso de acidente! A minha família me mataria bem antes de qualquer pagamento ser feito! Portanto, esqueça essa história de carro!
- Mas meu amor...
- Não tem nenhum mas! Por outro lado, acho ótima ideia você tirar uma carteira de motorista. Assim você evitaria chegar tão atrasada aos nossos encontros e ao mesmo tempo pararia de xingar os motoristas e cobradores de ônibus! Você sabe, né? Adora brigar com eles, mas quem escuta as reclamações sou eu!
- DE JEITO NENHUM! Veja só se isso tem cabimento!
E assim Maria teve que esperar por um novo namorado para ter um motorista particular. Para além da tradição machista (que diz que é o homem quem deve comprar e dirigir os veículos, prescrevendo o lugar do carona à mulher e filhos), Maria jamais gastaria tempo e, principalmente, dinheiro comprando um carro (ou pedido para usar um), uma vez que só lhe interessava ser servida! Num futuro mais que próximo, ela teve que empenhar seu belo corpinho para conseguir as coisas que queria... Mas essa é uma outra história!
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Narrativas - Contos - Volume 22
Short StoryA obra é uma coletânea de micronarrativas sobre os mais variados temas, especialmente crítica social, costumes e Surrealismo.