Capitulo 1

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Uma mão, uma cosquinha no braço esquerdo descoberto pelo lençol verde claro, um sussurro no ouvido dizendo "Vou fazer o café" e Azulaia desperta se esticando e bocejando. O sol da janela a incomodava, mas a luminosidade na parede branca sempre a fazia se sentir mais feliz, ela costumava relacionar aquela luz na parede com a felicidade: "Você não pode olhar diretamente para o sol, mas pode ver os efeitos dele no dia a dia".

Como escritora, suas metáforas eram a parte mais interessante de sua personalidade. Tudo tinha um significado a mais para ela, nada era pura e simplesmente aquilo.

"Levantar, ir ao banheiro, lavar o rosto, ajeitar o cabelo." Toda manhã era o mesmo pensamento que se passava na cabeça da moça. Não podia esquecer nada, muito menos agora que precisaria de toda a memória e organização possíveis. Lembrar do casamento e do almoço do dia a pôs uma careta no rosto refletido no espelho.

Olhos castanhos esverdeados, cabelo na altura do pescoço, repicados e cacheados, castanho com luzes mel, pele branca, boca pequena, cílios grandes, sobrancelhas feitas, uma marca de nascença atrás a orelha direita, camisola curta rosa clara... estava faltando algo....

Ao voltar no quarto avistou o objeto faltoso em sua pele. Pegou a calsinha em cima da escrivaninha do quarto e a colocou.

- Max, põe uma camisa. – disse jogando a peça

- Não foi isso que você disse ontem... – respondeu o rapaz bonito com a frigideira de ovos mexidos na mão e um sorriso escancarado no rosto

- Você me barganhou! Aquilo não foi justo!

- Chocolate por sexo... ou melhor, chocolate com sexo. Eu acho bem justo, você não? – disse erguendo a sobrancelha, desafiador.

- Da próxima vez, eu decido quando, como e onde.

- Ótimo!

- Ótimo?

- Sim, porque quer dizer que vai haver uma próxima vez!

- Idiota...

É claro que a noite havia sido ótima e que haveriam outras, como já houveram várias. Contudo, Azul não se sentia confortável naquela situação de impasse com Max. Ela sentia que cada vez mais ele se envolvia com ela, e cada vez mais ela percebia que não conseguiria corresponder. A intimidade era enorme e isso a confortava mais que tudo, deixava um ar de calma, de que com ele, ela poderia fazer qualquer coisa que nada mudaria. Não havia insegurança, não tinha medo de decepcionar, os problemas de um relacionamento normal não tinha espaço na amizade dos dois. Mas ela não sabia ate que ponto isso estava certo. Será que isso era realmente amor ou era simplesmente a amizade de infância fazendo efeito?

Os dois se conheciam desde os 10 anos. Max sempre fora para ela o irmão chato que ela nunca teve, mas um dia as coisas mudaram. Os dois ficaram bêbados, transaram e decidiram que isso era bom. Max se mudou para o apartamento dela e desde então tudo tem ficado muito mais complexo do que ela gostaria.

Ele era o cara perfeito. Bonito, com porte atlético, sexy, com seus olhos azuis que fariam qualquer garota ir e voltar da lua 100 vezes. Quando os dois começaram com isso ele era apenas um cara estranho com um olhar bonito. Era acima do peso, sem jeito com as mulheres... sem graça. Azul o transformou. Ele entrou para uma academia, teve um curso intensivo de como não ter um AVC em publico, conseguiu um emprego numa agencia de viagens no seu ramo de turismo urbano e se tornou o amigo mais gato que ela já teve.

Mas ela não era do tipo que se impressionava com tanquinhos, era do tipo que gostava do cara errado. Sempre e SEMPRE. Seu dedo podre era um caso sério. Não que ela tivesse muita experiência nesse ramo, pelo contrario era a pessoa mais sem graça e com menos experiência que conhecia. Era uma enorme hipocrisia escrever sobre amor para suas leitoras e ter tido uma vida amorosa tão vazia...

Sua experiência romântica se resume no "9". O número de caras que Azulaia já teve em sua vida.

O primeiro homem de sua vida surgiu quando ela tinha cerca de nove anos. Foi um relacionamento bem curto. Basicamente, ele deu um sorvete para ela na festa de dez anos da prima que Azul detestava e ela, deu um selinho como agradecimento. Nunca mais se viram.

O segundo foi o único namorado que teve: Richard. Eles ficaram juntos por quase um ano. Foi um namoro legal, os dois eram muito parecidos, gostavam dos mesmos filmes, das mesmas comidas até das mesmas cores. Mas com o tempo esfriou, deixou de ser um namoro e passou a ser uma amizade que durou mais algum tempo, mas acabaram perdendo totalmente o contato.

O terceiro é mais complicado. Esse com certeza foi a única paixão de sua vida. A historia é simples e famosa, a menina que gosta do menino que não sabe que ela gosta dele, mas que não gosta dela. Depois de quatro anos de amor platônico mal resolvido, ela o agarrou no baile de formatura. Nunca mais se viram também.

O quarto foi uma infelicidade, e o único caso que teve na faculdade. Michael não era uma lembrança agradável. Era lindo, mas estúpido e depois que o pegou no banheiro feminino com outra garota, deu-lhe um tapa na cara, virou as costas e fez questão absoluta de nunca mais o ver na vida.

O quinto foi um desconhecido completo. Se encontraram em uma balada numa noite em que Azulaia resolvera encher a cara. Os dois foram para um motel e assim ela teve sua mágica primeira vez. Não que a noite houvesse sido ruim, longe disso... ela se divertiu bastante, mas sem duvida o álcool ajudou com a falta de memória. Esse também ela nunca mais viu.

O sexto, sétimo e oitavo foram amigos de amigos, colegas de colegas, homens com quem ela passou menos de um mês e que não valem a pena nem o esforço de se lembrar do nome.

O nono era Max, logicamente. E esse, ela via todos os dias dos últimos cinco anos.

...

No caminho para o trabalho, ao abrir a caixa de e-mail lotada, um em especial chama sua atenção. O convite de fundo preto e dourado era mais chamativo do que os dos últimos anos. Era o convite do "Encontro Anual dos Formandos de 1992!", neste ano comemorando seu 10º aniversário e neste ano, sendo praticamente obrigatório para Azulaia.

Em nenhum dos outros anos ela havia se dignado a comparecer, mas este seria totalmente diferente. Neste ano fatídico, sua amiga mais querida da época de escola viria especialmente de Moscou para ir à festa e intimara todas as amigas a irem vê-la. Rebecca era a mais bonita do grupo, com seus longos cabelos louro-platinado e os olhos verdes claros; sempre muito doce e ao mesmo tempo enérgica, era uma mistura engraçada de patricinha com rebelde independente. Ela se mudara para Rússia assim que saíra da faculdade de jornalismo, que cursara junto com Azul e de todas as três amigas do High School com quem tinha contato, ela sem dúvida era a que as mantinha mais juntas, mesmo a um oceano de distância. Todo ano vinha para a América na época do natal, mas desta vez conseguira férias fora de hora e viria para a festa.

A festa não era o problema em si, a questão eram as pessoas que estariam presentes. Excluída e sofredora de buliyng nunca foram adjetivos de Azulaia na escola, pelo contrario, era querida pelos amigos e respeitada como consultora sênior do Clube de Moda. Ela não era exatamente a mais popular, ou a mais bonita, era simplesmente aquela que todos conhecem de nome, mas nunca se importaram muito em conhecer pessoalmente. Não era invisível nem visível, era só... mais uma.


02/05/12 – quarta-feira

10:00

Não acredito que a reunião desse ano vai ser temática! Como se já não bastasse ter que ir neste show de horrores, ainda vai ser no mesmo tema que o baile foi. Eu mereço! A Rebecca me deve uma enorme. Ainda vou ter que arrumar uma roupa, fazer cabelo, maquiagem... ai que desgraça! Como se já não tivesse muita coisa pra me preocupar.

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