Café (ou a festa de Dionísio)

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— O tempo passa rápido mesmo, Joaquim — dizia Clarissa com a boca meio cheia e metade de um bolinho de fubá na mão esquerda. — Tão rápido que a gente nem tem tempo de pedir pra vida parar.

Nessa hora a porta do Café é aberta e um rosto de bochechas sardentas entra, sendo logo seguido pelo restante do corpo de Ana. Ela adentra espalhando pingos da água que chovia lá fora, pintando o carpete cinza claro da entrada com respingos.

— E aí, bem de vez em quando, a gente acha que as coisas na verdade nunca saíram do lugar — Clarissa volta a dizer. — Eu queria que fosse assim o tempo todo. Acho que parece que se tá tudo calmo a gente pode fazer as coisas se mexerem do nosso jeito — continuou. — Enfim, sinto falta.

O garoto prova o café quente demais e tão logo quanto coloca a xícara de volta ao descanso de copo.

— Falta de quê, Clarissa? Desde quando a gente sente falta do que nunca teve? — e ri aquele riso anasalado que dura um só segundo.

— E se a gente não sente falta do que nunca teve, a gente sente falta do quê? — a menina rebate irritada. — É justamente de Lisboa à meia-noite que eu mais tenho saudade, e Dionísio bem sabe que nunca tirei meu pé desta cidade.

— Dionísio nada sabe da gente, Clarissa — chegou Ana no canto da mesa. — Ficou com a parte boa da festa: nunca sair de uma.

— E olha que de festa a gente sabe que esta cidade é cheia — Antônio, o recém-chegado garçom, completa.

— Talvez então Dionísio realmente saiba que você nunca saiu daqui — Joaquim começa. — Vive metade da vida nas baladas da Avenida Santa Cruz, e a outra sentada na mesa do escritório do Tio José. E, convenhamos, dá no mesmo, né?

Clarissa range os dentes para então falar:

— Olha que o seu tio ouve isso e nunca mais presta atenção nos meus conhecimentos de saúde no ambiente de trabalho! — responde virando de lado para bater as migalhas do tecido felpudo da saia. —  E aí quem vai pagar as cervejinhas que os senhores bebem lá em casa todo sábado?

— Dionísio, oras! — uma Ana ainda molhada solta junto de um sorriso-de-canto-da-boca que só ela sabia como dar.

— Já sabemos que de festa ele entende — Antônio completa Ana, tanto de malícia como de sorriso. — Mas, já que eu também tenho que pagar minhas cervejinhas, não de sábado, mas de domingo, vai querer o que, ô Dona Ana?

— Ah, mas você não me vem com essa de Dona que eu não sou minha mãe — Ana, não a mãe, Dona Ana, franze o cenho para dizer. — E eu quero uma água com gás gelada, por favor, Tonhão — o sorriso volta.

— Trago a água em um minuto, mas se me chamar de Tonhão de novo eu vou fazer questão de escrever Dona Ana em todos os pedidos de café que você ainda vai fazer aqui.

— Dionísio pede trégua! — Ana, como sempre, fala alto demais.


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