Talvez existam, entre os escritores, tipos e colocações que juntam diferentes autores em variadas categorias. Ontem, por exemplo, eu me colocaria como ficcionista. Tudo por não escrever sobre o que é meu, mas só fazer palavras do que já fiz estória.
Hoje, porém, sou cronista. Talvez sempre tenha sido cronista, só não sabia dizer. Mas o que de tudo vale as últimas linhas, é que o conto de hoje é pessoal, e talvez vocês entendam o porquê.
Acontece que alguém vai morrer. Alguém que eu, dentro da minha confusão de sentimentos e intermináveis racionalizações sobre sentir ou não sentir, amo. Alguém que eu amo vai morrer e eu sei de sua morte bem antes de acontecer. Alguém que eu amo vai morrer porque eu, de um jeito ou de outro, concordarei com isso. Chamem de eutanásia, sacrifício ou partir dessa pra melhor. No final do dia: morto é morto.
Engraçado é que antes, quando eu pensava na exata mesma morte que esse alguém poderia ter, passava horas chorando na beirada do travesseiro enfronhado. Escondia os soluços e as respirações entrecortadas com o mexer que a cama fazia a qualquer movimento brusco que, nada deliberadamente, minhas pernas conferiam. E o engraçado é que hoje eu não chorei.
Tenho tentado forçar o choro a semana inteira. Bem antes de saber da doença porque, mesmo sem me avisarem, sentia. E eu sinto, eu juro que sinto, mas cadê o choro? Cadê as lágrimas fáceis que eu distribuo em qualquer cena tocante de um filme meia caneca que passa na hora do jantar?
Cadê o desespero assustador de saber que nunca mais poderei vê-lo, toca-lo, tê-lo? Cadê a porcaria do soluço que entala na garganta e não sai, só pra sufocar ainda mais a minha angústia?
Eu não sei, eu queria muito saber, mas hoje não dá. Hoje não dá pra saber onde é que essa porcaria toda foi parar. Não deixou bilhete, nem ligou pra alguém procurando deixar recado. Não disse "adeus", não mandou mensagem de boa-noite-tchau, não se importou nem um pouco em como eu fico sem poder sentir a dor.
E o mais preocupante é que o sentido de esperarem pessoas tristes chorarem é o próprio medo do que acontece se o choro não vir. Será que eu vou explodir amanhã? Será que eu vou estar pegando a Sé pra transferir pra Linha Azul e meu pé vai parar de andar e aí, na estação mais movimentada do Metrô de São Paulo, eu vou me jogar no chão, espernear e ir parar nos vídeos de usuários do Facebook?
Mais uma vez, eu também não sei. Só o que parece certeza é que esses parágrafos são uma tentativa não-tão-mais -inconsciente de botar as coisas em ordem. De tentar forçar o choro até o limite porque escrever me faz chorar, e ninguém (agora todo mundo) sabe que a maioria das coisas que eu escrevo vem entre lágrimas e gritos mudos. Eu sei que as palavras tem o incrível poder de tirar as emoções - que eu mesma acostumei a cavar - pra fora, e aí botar tudo na mesa. O que eu também sei é que não é sobre o choro. Eu sei que eu, que lido tão bem com assuntos naturais, tô morrendo de medo de sentir saudade, mas saudade eu vou sentir.
E aí como a vingança cósmica daqueles que cobram a coesão pensamento-atitude de todos os seres humanos, a minha própria hipocrisia chega. Eu, que reclamo tanto dos textões sentimentais por tragédia tal e acidente X, publico mais um textão triste e superficial pra alimentar a necessidade da rede. Eu, que aparentemente penso tão bem e alto de mim mesma, faço exatamente tudo aquilo de que reclamo, e é aí que sobra o E agora, José?.
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Prosa e também poesia
Poesía(ou porque eu nunca consigo manter a linha reta e contínua)