Quando entrou pela porta do banheiro, Mouse quase não reconheceu seu amigo. Nem parecia o mesmo garoto duro e valentão dos últimos anos. A imagem que ele tinha à sua frente, era a de um sujeito desolado como se fosse um grande edifício em desmoronamento.
Para evitar a queda, Lino se escorava com as duas mãos sobre a pia. Sua cabeça estava abaixada, os ombros relaxados e as costas curvadas. O capuz estava recolhido e por isso, pelo espelho não era difícil ver a imagem de sua face: vermelha e coberta por lágrimas. Apesar do rosto um pouco mais arredondado, possuía um queixo quadrado como o de seu pai. Sua pele ainda tinha resquícios de algumas espinhas e os olhos castanhos claros eram acompanhados por longos cílios e sobrancelhas fartas.
Medindo os passos, Mouse foi se aproximando do colega. Sinceramente, ele não sabia como seria recebido.
Ele vai me socar!
Lino era pouca coisa mais alto que Mouse, mas com um porte físico mais avantajado. Tinha um corpo atlético e ombros largos, resultado de seu gosto por esportes de aventura. Sempre que podia, acompanhava o pai em exercícios de montanhismo e trekking. Nos últimos anos também desenvolvera uma paixão especial por arqueirismo, esporte que ao contrário do que pode parecer, exige muita força.
De fato, se Lino resolvesse partir para a briga, Mouse não teria a mínima chance. Porém, ao contrário do que temia, quando colocou a mão no ombro do amigo foi surpreendido com um desconcertante abraço de Lino que rapidamente desabou aos prantos:
— O que foi que eu fiz? — perguntou entre soluços. — Agi como um idiota.
Mouse retribuiu o abraço com força e espalmando a mão nas costas do colega, tentou alentá-lo:
— Calma, Lino. Tudo vai se resolver.
Lino afastou o colega e voltou o corpo novamente na direção do espelho. Com as costas da mão direita limpou as lágrimas dos olhos e depois abriu a torneira para jogar água no rosto. Por alguns segundos ficou parado, pensativo, olhando para o líquido que se acumulava na cuba circular de cerâmica branca.
Mouse olhava o colega sem saber o que dizer. Procurava alguma coisa inteligente para falar, no entanto, quando ameaçou abrir a boca foi interrompido por Lino:
— O Juliano não deve ter entendido nada. Acho que vou voltar na sala e me desculpar.
— Lino... — Mouse fez uma pausa e pensou um pouco mais sobre suas palavras até que estivesse seguro sobre elas. — Sabe o que acontece? — Apoiou uma das pernas sobre o balcão da pia e olhou firme nos olhos castanhos do amigo. — Você está cansado, cara. Faz dois anos que você veste essa armadura de brucutu. Parece um robô... tipo Pacific Rim, sabe qualé? Ia chegar uma hora em que você desabaria. E esse dia foi hoje — ao terminar a frase, sentiu que tinha dito a coisa certa.
Porém, antes que Lino dissesse qualquer coisa, a porta do banheiro se abriu abruptamente. Em reação de reflexo, os amigos olharam em sua direção percebendo a presença desagradável de um inspetor de salas.
— Aí está você, Lino Galindo!
Os rapazes arregalaram os olhos. Rapidamente entenderam o que estava acontecendo. A gritaria no momento da confusão, certamente chamou a atenção do inspetor que interrompendo a aula, colocou-se a par da situação. Diante do ocorrido, Lino e Mouse deveriam ser encaminhados à Direção. E foi o que aconteceu.
Sentados num sofá de couro na antessala do Professor Levy, os garotos esperavam ser chamados. Juliano acabara de deixar o local. Lino agora estava mais calmo. Novamente encapuzado, olhava firmemente para as mãos que se encontravam entrelaçadas e repousadas entre as pernas. Depois de tudo o que protagonizara, era normal que estivesse pensativo e até mesmo encabulado.
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Lino Galindo e os Herdeiros do Trono do Sol
FantasyAndes, 1532. A sucessão ao Trono do Sol dos Incas leva à uma inevitável batalha entre irmãos e dinastias. Na disputa pelo poder, uma massa de gente é conclamada a defender os interesses de reis sádicos e príncipes ardilosos. Guerreiros virtuosos erg...