Feridas mal curadas infeccionam. Envenenam o corpo aos poucos, até alcançar o sangue e fluir por cada canto escondido do ser humano. É capaz de matar, se não tratada. O corpo cede e a mente se aperta. O que deixei passar? Você pode se perguntar, mas a questão não é essa. A chave está no enfrentamento e, porque o gosto do veneno queima nossas entranhas, nós corremos. Não deixamos curar. Ou, talvez, não chegamos a ter oportunidade.
Octavia soltou um grunhido ao perceber que as três pessoas que mais odiava estavam ali, bem à sua frente. E que não havia muito o que ela pudesse fazer. Seu peito pesou ainda mais. Presa nas íris daquelas pessoas estava a imagem de Bellamy. Tão nítida como em seus sonhos. Tão presente quanto em suas lembranças. Tão morta como o tumulo que o prendia a terra.
Raven encarou a morena de olhos claros, sentindo seus olhos arderem e suas mãos formigarem pela raiva. Encarou Lexa, alheia a qualquer olhar, buscando respostas para perguntas que há muito havia desistido de questionar. Lincoln deu um passo à frente, na tentativa de se explicar em gestos mudos. A dor nos olhos de Octavia era visível. No fim, os irmãos estavam vivos. No fim, os danos ficaram nas costas das duas.
Lexa parecia congelada no lugar. Alheia aos sutis movimentos da terra. Da vida. Alheia ao ódio que cercava aquele ambiente. E a tudo mais que não fosse Clarke. Com seus olhos de tempestade, partidos entre ondas ferozes e raios de dor. Pela primeira vez em anos, tinha a visão daquela mulher. Tão perto e tão proibida. Clarke não sabia o que fazer, tendo a presença de Lexa à sua frente. Não como um espectro imaginário. Perturbada, seus olhos deixaram a prisão que os de Lexa a impunha e vagaram pelo quarto.
"Acho que é agora que vocês começam o barraco, galera." Anya indicou, levantando-se na cama e rindo, apesar da dor em seu abdômen. Todos os olhares se recaíram na loira mais uma vez. Era mais fácil encarar a inocência letárgica de Anya do que as farpas entre o passado e o poço de sentimentos em seus corações.
"Você está viva." Clarke murmurou, mais para si, ainda encarando a figura de sua paciente. Lexa tentou se aproximar, esquecendo a razão, e mostra-la que era real. Mas a loira se afastou, impedindo o contato assim que os dedos de Lexa esquentaram a pele de seu antebraço. Todo esse tempo pensando que ela estava morta... Sete anos ruminando a dor e a culpa. Todos os dias de saudade e nostalgia... Por alguém que estava vivo e nunca se deu o trabalho de aliviar o fardo em seus ombros. Clarke não queria toca-la, seus olhos demonstravam que a esperança fora substituída por raiva.
"Sinto muito." Pela primeira vez, Lexa se pronunciou. Seus olhos encaravam Clarke, mas suas palavras pertenciam a todos naqueles poucos metros quadrados. Octavia riu, caminhando até a porta com Raven em seu encalço.
"Nós vamos embora, mas voltaremos dentro de algumas horas para interrogar sua paciente, Clarke." A morena cuspiu as palavras, recusando-se a encarar os irmãos.
"Sério que vai ser só..." Anya começou a provocar, mas foi interrompida por uma tosse seca e dolorida que resultou em bile esparramada pelo chão e no jaleco de Clarke. Os olhos de Lexa se arregalaram, assustados. Lincoln parecia tão perdido quanto as agentes, congelados no lugar.
"Todos vocês, saiam daqui!" Clarke gritou depois de chamar ajuda e assegurar que Anya não havia estourado os pontos. Antes que qualquer uma dessas coisas acontecessem, a loira vomitou outra vez. Sangue vivo saindo pelos seus lábios. Um enfermeiro, segurando uma pequena bacia, entrou apressado e tomou o lugar de Clarke. A loira encarou as quatro pessoas congeladas e suspirou.
"Vocês podem, por favor, deixar que eu faça meu trabalho?" Pediu, irritada e esquecendo-se completamente de como devia se portar com os parentes ou com as autoridades. Octavia e Raven foram as primeiras a sair, parando por alguns minutos para deixar ordens com os dois agentes em guarda. Lincoln saiu do torpor em seguida, arrastando Lexa para fora. A morena não resistiu, mas seus olhos gritavam para que Clarke a perdoasse e para que Anya ficasse bem.
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Wild Hearts (Part II)
RomansaDar os primeiros passos em direção a vida adulta não é fácil. Clarke sabe disso, em teoria. Sete anos se passaram desde que a vida de Clarke Griffin virou de cabeça para baixo. Sete anos voaram sob seus olhos enquanto seu coração lutava para se recu...