Mentira Apaixonante

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                 Frederico Borges 

Tenho somente uma tia, e ela mora em Fernando de Noronha, tem um resort lá e quase nunca vem nos visitar aqui em São Paulo.

Por que eu estou dizendo isso? Porque simplesmente estou agradecendo aos céus por isso. A tia da Malu é louca, maluca, tem vários parafusos a menos dentro daquela cachola!

Depois de ajudar o pai de Malu na churrasqueira, eu fui avisar a mãe dela para já levarmos a comida para mesa de fora para todos almoçarem, entretanto, assim que adentro a casa, ouço a tia dela falando em alto e bom som que a Malu está menstruada. Bem, não exatamente com estas palavras que ela disse isso. Ela disse que ela está de chico, meu Deus! Quem em pleno século 21 diz isso? Ok, me desculpem, provavelmente muita gente diz isso, mas chico? Não teria uma palavra mais bonitinha, como escarlate? Isso! Uma palavra bem melhor. Ela está escarlate!

— Ah sim. Não precisava ter dito assim, tia. —Diz Lucas com as faces coradas. Coradas como... Argh! Bem... pensando melhor escarlate também não é uma boa palavra.

—E você queria que eu dissesse o quê, Lucas?  Pelo amor de Deus! Você é muito lerdo! — Retruca dona Julieta.

—Ok... vamos mudar de assunto. — Diz Malu vergonhosa.

Ela fica tão linda tímida!

—Uhum! —Chamo a atenção deles. —O seu Sérgio está pedindo para levar a comida lá pra mesa de fora, a maioria da carne já assou.

—Ah sim! Eu vou ajudar a mamãe trazer as travessas. — Fala girando os calcanhares e indo em direção a cozinha.

Eu a acompanho.

—Eu ajudo também. —Digo quando estou próximo o suficiente.

Ela acena com a cabeça confirmando. Noto que ela está constrangida com a cena que presenciei, e como eu amo vê-la nervosa, me aproveito disso.

—Então quer dizer que você está de chico? —Pergunto segurando o riso.

Ela detém seus passos e me olha com raiva.

—Claro que não! Eu inventei isso só para não dizer que estou com um curativo na costela e por este motivo não posso me molhar! E mesmo que estivesse, você não teria nada com isso!

—Claro que teria! —Falo. — Sou seu namorado, oras! É meu dever saber o ciclo menstrual da minha namorada!

— Você é tão... é tão... Argh! — E sai pisando duro em direção a cozinha me deixando gargalhando para trás.

Irritar Malu virou meu hobby preferido!

***

Depois do almoço mais extrovertido e feliz que já tive nos últimos tempos, Sérgio nos lembrou —para minha infelicidade — que logo o jogo do timão começaria.

—Vamos lá para a sala! — Chama-nos.

—Um minutinho só, —Intervém Dona Sandra. —E toda louça do almoço? Alguém tem que lavar!

—Mas mulher! Tenha piedade. Sua irmã lavará! — diz Sérgio me fazendo rir. Eles são um casal e tanto.

—Eu? Bem, sinto-lhe informar, cunhado, mas eu e minha filha já estamos indo. Não é Alessandra? —Sai pela tangente (literalmente), Dona Julieta.

—Sim, mamãe, nós já vamos. Alberto já deve estar em casa. Ele sempre chega varado de fome depois do seu futebol dominical.

—Seu marido sempre vai para este futebol, e toda vez que me ofereço para ir junto ele inventa uma desculpa. —Reclama meu "sogro".

—Bem, na semana que vem ele irá jogar novamente. Direi a ele para levá-lo junto, tio, não se preocupe. Então, vamos mamãe?

—Sim, sim. Vamos. Tchau, irmã, amanhã venho aqui para assistirmos nossa novela.

Depois de se despedir, a tia e prima de Malu vão embora.

—Não sei por quê a Julieta  tem que vir assistir as novelas aqui em casa, parece que não tem TV em casa!

—Não seja maldoso, Sérgio. Julieta gosta de assistir a novela acompanhada.

—Mas ela já assistiu essa novela tantas vezes, que até eu que não gosto, já sei o que ocorrerá!

—Minha tia e minha mãe são fãs de novelas mexicanas. —Sussurra Malu, explicando-me.

—Não tente mudar de assunto, Sérgio! A louça quem irá lavar é você!

—Mas o jogo já vai começar! —Protesta.

—Deixe que eu lavo, mamãe. —Fala Malu.

Arrá! Minha oportunidade de não assistir o jogo!

—E eu a ajudo! —Digo prontamente.

—Nada disso, Fred! Hoje você é visita! Quem irá lavar então, serei eu e Malu. Vá assistir o jogo com Sérgio.

—Isso! —Comemora Sérgio.

—Mas a noite você que irá lavar a do jantar. —Avisa Dona Sandra, entrando em casa com Malu ao seu encalço.

—Bem, rapaz, vamos ver nosso timão entrar em campo! Lucas já deve ter colocado no canal de esportes.

—O Corinthians irá jogar contra quem? — Pergunto.

—É com um timinho alviverde, se é que me entende! —Diz rindo e indo em direção a sala.

Alviverde?! Que não seja o Palmeiras. —Rezo silenciosamente.

Estamos no ar com mais um clássico brasileiro: Corinthians e Palmeiras! As equipes já estão adentrand... — A voz estridente do locutor acaba com o fio de esperança que ainda tinha.

Terei de me conter ao máximo para que não dê bandeira de que sou palmeirense.

—Hoje vamos ver o coringão dar um sacode! —Diz Lucas aumentando o volume da televisão.

Eu, tenso, me sento no canto do sofá.

E apita o árbitro! —Nunca tive tanta raiva da voz deste locutor como estou tendo hoje.

Por que eu não disse a verdade? Mas não, uma mentira só não é o suficiente. Tenho certeza que se eu tivesse dito que era palmeirense, seu Sérgio entenderia. Mas eu estava tão desesperado que na hora nem pensei direit...

—Mas que merda! —Grita Sérgio me assustando. —Juiz idiota! Onde isso foi falta?

Olho para tevê e vejo Gabriel Jesus, um dos meus jogadores preferidos, se preparando para bater a falta. Ele se posiciona, olha para a barreira e com o pé esquerdo chuta a bola, que faz uma curva perfeita e bate na trave indo para fora.

—Uh! —Digo não me contendo. Quase foi um gol!  Mas quando percebo, dois pares de olhos me olham com curiosidade. —Hum... ér... Quase que o Cássio faz uma defesa e tanto. Vocês não acham?

—Verdade! Nossa defesa é extraordinária! —Fala Sérgio, concentrando-se novamente no jogo.

—Por um momento pensei que você estava torcendo para o Palmeiras. — Comenta Lucas.

—Está louco? — Dou uma risada nervosa. — Aqui é Corinthians, mano!

E o André cruza para Danilo que já passa a bola para o Romero que bate de primeira e é gooooool do Corinthians!

—Mas que merda! Esse goleiro é pago pra quê?  Eu não acredito que ele deixou essa bola entr... — Acho que me excedi.

—Por quê você está xingando o goleiro, sendo que o Corinthians fez o gol? — Pergunta Sérgio desconfiado.