Capítulo 19 - Espelhos

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Vazio.

  Estou sentado na cadeira velha que range a cada momento de frente para o espelho. Estou com os olhos fechados.

Não havia criado coragem para abrir e ver o meu verdadeiro eu do momento.

Um estilhaço do futuro, pisando nos próprios cacos.

Fugindo e não se encontrando.

Mas havia chegado à hora de se encontrar.

Abro os olhos.

  Encaro meu reflexo no espelho sujo e sinto um aperto no coração, encarava um Arthur, um Arthur diferente, desconhecido.

  Estava magro, muito magro, os ossos na face eram visíveis, as olheiras, a expressão cansada, o cabelo ruivo estava sujo.

Agora eu confirmava, que também havia me tornado vazio por fora.

  Levo a mão até o rosto e começo a chorar, dizem que só deveríamos chorar por algum motivo,eu tinha muitos.

  A rotina daquele lugar infernal continuava a mesma, de manhã comemos no refeitório e éramos encaminhados de volta para os quartos, os efeitos do remédio me faziam dormir a tarde inteira, ou quando não acordava só no outro dia, ou dormia mais que um dia, em um lugar como este é muito fácil você perder a noção do tempo. De noite jantávamos e víamos televisão, sempre acompanhados e supervisionados por uma horda de médicos.

  Mas como dizem, um lugar deste só deixa você mais louco, ontem um cara chamado Kevin, já adulto, começou a gritar no meio do refeitório que precisava ir embora e buscar sua filha na escola, poucos deram atenção pois aquela já era uma cena típica de um lugar como este, Kevin não satisfeito começou a pular e agredir alguns colegas que estavam sentados ao seu lado, um grupo de médicos partiram para o repreender.

  Foi então que aconteceu uma coisa que eu nunca esqueceria, ele gritava cada vez mais alto que sua filha estava o esperando, Kevin pegou uma das facas sem ponta da mesa e apontou para os médicos a sua volta, percebendo que não adiantaria nada ele pegou a faca e enfiou em sua boca, cada vez mais para baixo, descendo pela goela. Os médicos se adiantaram para socorrê-lo, mas era tarde demais, Kevin começou a ter uma crise de falta de ar e se jogou no chão se contorcendo. Então os vários outros pacientes começaram a gritar, chorar, correr virando tudo um verdadeiro pandemônio, lembro que Hunter veio até mim e me levou para meu quarto.

  Naquela noite eu não dormi, pensando no que havia acontecido, talvez Kevin tivesse mesmo uma filha, talvez Kevin tivesse mais que um filho, talvez Kevin tivesse uma família, ele devia sentir saudade de todos, devia sentir um aperto no coração como eu estou sentindo neste momento olhando meu reflexo no espelho.

Levo a mão até o espelho sentindo o vidro frio.

Eu não tinha nenhum amigo aqui.

  Talvez a loucura esteja dentro de cada um de nós esperando o momento certo para ser despertada, de uma forma que você vai achar que aquilo é normal, mas esta longe de ser normal.

Começo a conversar com meu reflexo.

- Oi Arthur – Digo sussurrando.

Não espero resposta, ou esperava?

- Você se sente bem? – Prossigo.

- Claro que não porra! Eu acabei de perder a pessoa que mais amo no mundo! Se alguém se sente bem depois disso quero que me apresente!

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