Conselho profissional

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 One more night. Música maravilhosa do Phil Collins. Deixei tocar. "One more night, one more night...". Cantei junto. Não interrompi. Depois dos vocais do refrão, a voz solo inspirada do cantor em confissão, um segredo desfeito lindamente. Transformei a música no toque de meu celular quando há quatro meses iniciei meu novo negócio, e não troquei desde então. É também esta música que toca quando alguém acessa minha home page, onde ofereço meus serviços de conselheiro conjugal. Li o nome de meu atual cliente na tela do celular e depois de dois minutos de canção finalmente atendi.

- Alô, Marcos. Boa tarde.

- Deu merda.

- Como?

- A casa caiu, Henrique. Ela descobriu - a primeira frase dele ao telefone veio num sussurro. Já a segunda foi quase gritada por alguém que está prestes a chorar.

- Fique calmo. O que aconteceu?

- Eu tô ferrado! E não sou só eu! Ela descobriu seu endereço e telefone. Vai atrás de você também!

- Atrás de mim? - me esforcei para tentar uma voz de quem nada se alterou com tal observação e levantei depressa da cadeira para olhar pela janela e me certificar de que a esposa furiosa não estava esperando na calçada. - Mas como assim? O que ela pode fazer?

- Te processar. Ou no mínimo te agredir, assim como ela fez comigo. Estou acabando um curativo no ambulatório aqui da firma.

- Ela foi ao seu trabalho? - perguntei e me dirigi ao depósito. Enquanto conversava com o infeliz, fui trazendo caixas vazias de papelão para o escritório.

- Sim, e fez escândalo, algo que nunca vi em dez anos de casamento.

- Vamos fazer assim: vá até o escritório. Eu tô no trânsito, chego lá em meia hora. Nós vamos resolver o problema, não se preocupe. - Retirei da parede o quadro com meu certificado e pus no fundo da primeira caixa.

- Certo. Combinado. - Sempre gosto de admirar aquelas lindas letras desenhadas e a moldura é bela mesmo assim, deitada no papelão a esperar por outros objetos que vão escondê-la.

Desliguei. Recolhi da mesa o bloco de recibos e outros documentos. Tinha vinte minutos para transformar aquele ambiente de trabalho em uma sala vazia. Isto é, se a megera não chegasse antes. Por sorte era dia de folga da faxineira. Não tive que inventar história alguma para meu nada convencional comportamento. Passei a chave na porta de vidro e fechei a cortina. Fui colocando somente o que é necessário nas caixas e levando-as uma a uma para o carro.

Chegou a hora de aceitar a oferta do meu cunhado e montar o escritório na cidade onde ele mora. Ficava a uma hora e meia de lá. Considero uma distância segura. Desde o ano passado ele tentava me convencer a trocar de ponto. A proposta era interessante para ele também, que estava louco para abrir aqui neste imóvel a loja dele, de manutenção para celulares. Não que este ponto seja tão bem localizado, o caso é que ele tem tido bastante prejuízo porque às vezes não conserta direito e estes voltam a apresentar problemas. Houve casos em que teve de comprar aparelho novo para ressarcir o cliente. A cidade é um ovo, ele está mal falado e por isso quer tanto vir pra cá. Ninguém aqui o conhece.

Me veio à cabeça o dia em que conheci o Marcos. Assim que fechamos negócio, excluí meu anúncio do site gratuito de classificados, desativei o site e recusei outros clientes por telefone. Ter vários clientes até pode significar mais lucro, mas também significa mais risco. Se resolvessem investigar e descobrissem que meu nome não é aquele que estava no quadro pendurado e que aquela colocação mencionada era falsa, eu ia ser obrigado a dizer adeus à minha Eco Sport e saudar as grades que trancam os menos espertos.

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