10. Como colher o que se planta

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Naquele momento, meus pensamentos viajaram instantaneamente para o dia em que tudo aquilo havia acontecido. Como Rosie poderia estar viva? Ok. Nem eu ou muito menos Britt havíamos checado para ver se ela estava morta ou não, porém ela parecia não respirar, mas... A nossa fuga realmente parecera muito simples, muito fácil, como se de alguma forma tudo aquilo fosse esperado, como se eles quisessem que acontecesse ou... Como as acusações de Britt foram perdoadas? Porque não a estavam seguindo também? Como... O que?

- Rosie – Minha mente parecia um amontoado de confusão e perguntas que necessitavam de respostas, porém sabia que aquela não era a hora perfeita para isso. Longe disso – Você está...

- Viva? – Rosie riu levemente – Quem diria, não é mesmo? A pobre Rosie sobreviver? Algo surpreendente até para mim – Zombou de si mesma e fez uma breve pausa – A propósito, é um prazer revê-la Blair.

- Gostaria de poder dizer o mesmo – Movimentei a cabeça com leveza sinalizando o objeto preso em sua perna direita – Não é mesmo, senhor Blueprints?

- Que indelicadeza a minha, senhorita Summers – Num movimento rápido e certeiro, agarrou o objeto com força e o retirou da minha perna da maneira mais dolorosa possível – Desculpe-me pela falta de educação de minha parte.

Por mais difícil que seja imaginar nossa morte, foi naquele instante que pude perceber o quão seria mais fácil simplesmente desmaiar e não sentir mais nada, ou até mesmo morrer de uma vez por todo. Pode parecer mórbido, porém é muito mais simples não sentir dor alguma e saber que aquele é seu fim, do que ser torturada e sofrer sem saber quando toda aquela dor terá fim. Nunca desejei tanto poder estar morta.

- Obrigada – Segurei as lágrimas e o olhei com desdém – É muita gentileza da sua parte.

Então Rosie sacou uma arma de sua cintura e numa precisão magnífica disparou em minha perna esquerda. O choque foi rápido e certeiro, a princípio a sensação era uma mistura de incômodo com um leve alívio, não sentia muito a minha perna, mas ao passo que os segundos se passaram a dor foi ficando cada vez mais intensa e arrebatadora.

- Isso é por matar o Ollie – Puxou o gatilho mais uma vez, acertando meu braço – Isso é por me deixar naquele galpão como se fosse um nada – Aproximou-se com leveza – E isso é por ser uma vadia – Seu soco foi certeiro e o que faltava para quebrar o meu nariz.

- Posso dizer que me sinto mais leve – Riu – Livre.

Os trilhos da porta movimentaram-se mais uma vez e por ela passou uma figura um tanto conhecida, seus cabelos eram castanhos e sua pele branca, estava de cabeça baixa e segurava uma arma. Ao se aproximar, a porta foi fechando-se aos poucos até que ao estar totalmente fechada, a garota avançou e esfaqueou primeiro o meu braço esquerdo, depois enfiou a faca em meu estômago e por fim com o cabo acertou o meu rosto. Então, tudo apagou.

***

A última coisa de que me lembro foi ser carregada por alguns homens e deixada na porta de um hospital. Minha visão estava turva, mas pude perceber quando me encontraram ali e me carregaram depressa para dentro até que desmaiei novamente ao ser colocada de frente a uma luz extremamente intensa.

- Hm... Vejamos, Blair Summers, 18 anos, 31/10/1998. Está aqui há três semanas e apresenta incríveis melhoras, logo ela deve acordar – Uma mulher vestida de azul falava com alguém – É só questão de tempo.

- Mãe? – Sussurrei – Mãe é você? – Uma figura turva de cabelos castanhos saiu pela porta – Você não...

Ninguém respondeu nada e aos poucos minha visão foi ficando turva e apagada.

***

Os dois meses que passei no hospital foram sem dúvida alguma extremamente estranhos, a começar por cada dia ser uma luta me olhar no espelho novamente, mamãe havia dito que as cicatrizes diminuiriam, que as cirurgias de reconstrução fariam o necessário para fazer delas imperceptíveis e ela estava totalmente certa, porém o que ela não sabia é que todas as cirurgias só podiam mascarar aquilo que os outros eram capazes de ver, mas por dentro eu sabia o local e a dor de cada uma delas, o que as motivou e a angústia que me olhar no espelho causava. Apesar disso, o tempo passou correndo e como um passe de mágica o meu dia de voltar a realidade havia chegado.

- Ok, senhorita Blair. Não esqueça de tomar todos os medicamentos e se manter o mais saudável possível – A enfermeira de nome Marta sorriu – Sentirei saudades.

- Obrigada por tudo, Marta – Sorri de volta – Pelo carinho e atenção, por tudo.

- Não foi nada, senhorita. Na recepção estão todos os pertences que achamos com você ao a encontrarmos aqui.

Sorri mais uma vez e caminhei pelos corredores do hospital desejando o quanto antes poder sair dali e saber o motivo de ter permanecido isolada sem poder receber qualquer visita por todo esse tempo. Ao chegar a recepção, uma moça de cabelos castanhos claros me olho de cima a baixo e como se soubesse exatamente quem eu era e o que procurava, me entregou um envelope amarelo onde estavam meus pertences.

- Também encontramos isso no seu bolso – Estendeu o envelope – Parece uma carta.

Por mais que tentasse, não lembrava de todos os detalhes daquela noite, mas algo que tinha certeza era de não levar nenhuma carta comigo. Dessa forma, sentei em um dos bancos da recepção e abri o envelope pequeno.

"Querida senhorita Summers,

Nesse exato momento você deve estar se questionando por estar viva depois de todas as promessas de morte que recebeu, porém algo que custei a perceber enquanto a torturávamos é que o melhor castigo para você é o de pode conviver com a culpa da morte do meu filho e com todas as cicatrizes que isso a causou, deve ser algo simplesmente devastador. Desse modo, tenho muito a lhe agradecer por abrir a minha mente de maneira tão graciosa e sensível, sua história me tocou muito e sei que você será alguém grande no futuro.

Cuide bem da sua vida, Summers, segundas chances só acontecem uma vez.

Espero que seu sofrimento seja imensamente maior que o meu, Senhor B."

Dobrei o papel e não pude conter as lágrimas que caíam enquanto devagar me dirigia para fora daquele lugar. Eu estava condenada.

Garotas de PapelOnde histórias criam vida. Descubra agora