An'angelo

32 4 4
                                    

Perdoem-me a demora em postar e deixem-me agradecer pela marca atingida de 1k de leituras neste livro. Muito obrigada pelo apoio, queria poder dedicar este capítulo e esta simples conquista a todos vocês.

                  

Ela jogou uma revista na minha frente. Não parecia com os catálogos que eu costumava recortar para as tarefas da escola. A capa tinha a foto de uma garota, muitas coisas escritas e uma foto de um bolo. Eu chacoalhei os ombros. Hannah apontou para a mulher na capa.

-Aqui, qualquer um pode ser como ela –sorriu.

Aquela era, sem dúvidas, a mulher mais bela que eu ja tinha visto. Os padrões de belza da Sociedade do Sul dependiam, em sua maioria, da limpeza e organização de uma pessoa. Os traços facias eram a próxima coisa mais importante. A primeira coisa que notei na mulher da foto foram as cores em seu rosto. Os olhos destacados, bochechas rosadas artificialmente e lábios vermelhos. Os cabelos dela, soltos como os de Hannah, eram longos, ondulados e brilhantes. Talvez usasse muito condicionador. Ela era exatamente o que o clube da Primavera defendia: cores e liberdade. Qualquer um podia ser como ela.

-Nenhum lugar te obriga a vestir roupas "adequadas". Seu corpo é SEU. Você faz o que você quiser! Cores, tamahos, brilho! Podemos sair de noite e trabalhar com o que bem entendemos. Ballet para os homens, programas de rádio para mulheres. Trabalho aqui mesmo no prédio, na casa das outras pessoas. Octavio é um cozinheiro. Leia a revista, Kat!

"A Primavera existe!" eu quis gritar. Abri a revista com a maior animação, apenas para me decepcionar. Era cheia de coisas fúteis demais até mesmo para uma Sulista como eu. Mas estava cheia de fotos. Todas as garotas usavam roupas como as de Hannah. Tinham cabelos ondulados, saíam de noite e comiam bolo. Faziam o que bem entendiam. A futilidade não me desanimou. Eu me levantei de súbito.

-Mostre-me –pedi.

Nunca me senti mais insegura em toda a minha vida. Nem tão fascinada. As casas e o comércio estavam todas no mesmo lugar, na mesma rua, uns encima dos outros. Banners e placas chamativas, várias lojas vendendo as mesmas coisas, fotos e, o que Hannah me contou que se chamava manequim, vestindo os produtos nas virtines e nas calçadas. As crianças também tinham liberdade para vestirem-se como queriam. Os restaurantes vendiam qualquer coisa, mulheres trabalhavam nas lojas, cachorros vestiam roupas coloridas... A Primavera era muito mais colorida do que eu jamais poderia imaginar. An'angelo era o meu Arco-íris.

As pessoas ignoravam as existências de Hannah e Octávio com bastante classe, mas todas, sem excessão, me encaravam. Olhavam de lado, levantavam uma sobrancelha, mas não comentavam nem riam. Eu podia ser quem eu quisesse, até uma "sulista". Hannah e Octavio entraram em um estabelecimento, e eu os segui. Era cheio de espelhos, cadeiras e escovas de cabelo. Hannah sorriu para uma moça atrás de um balcão e conversou com ela. Logo, ela estava me levando para sentar em uma das cadeiras virada para um espelho, e tirando o pano de meus cabelos loiros. Ela sorriu para meu reflexo no espelho. Olhei para as pessoas ao meu redor. Todas sentadas, algumas lendo revisas, com outras pessoas de avental mexendo em seus cabelos. A moça que conversava com Hannah através do espelho tinha cabelos curtos e avermelhados. Minha irmã apontou para minha cabeça e disse que eu precisava de um corte. A mulher de cabelos curtos sorriu mais uma vez.

-Então vamos lavar primeiro, ok? Como você se chama?

Ela puxou meu braço de leve e me fez levantar. Levou-se para um lugar mais afastado e jogou água morna em minha cabeça. Massageou-a com três cremes diferentes e eu quase dormi. Era extremamanetne relaxante. A moça ainda secou, escovou, cortou e alisou meus fios. Hannah quem decidia tudo por mim, pois eu não entendia direito tudo o que ela me perguntava. Se entendia, não sabia qual seria a opção "correta" ou "acitável". An'angelo era ainda muito novo para mim. Após decidir que meu cabelo estava pronto, ela pegou uma maleta com pó colorido e pincéis para pintar meu rosto. Antes, porém, me fizeram derramar lágrimas por jogar cera quente em minhas sobrancelhas. Enquanto fazia minha maquiagem, uma outra moça lixava e pintava minhas unhas. Achei isso tudo um absurdo. Qual era o problema com minhas sobrancelhas e porque raios alguém pintaria as unhas? Parecia tortura. Era tão banal que esses costumes não entraram na minha lista de coisas a serem levadas devolta pra a Sociedade do Sul.

-Está pronta Kat? –A moça me perguntou. Pegou um espelho e segurou-o atrás de mim, assim, pude ver a parte de trás de meu novo cabelo. –Você gostou?

Demorei mais do que gostaria de admitir para perceber que aquela me olhando do espelho era eu. Meu loiro estava limpo, liso, curto na altura dos ombros. Minhas unhas estavam cor de rosa, como o vestido de bailarina de Verena. Seni-me estranhamente delicada por esse detalhe; feminina. Meu rosto estava irreconhecível até para mim. Limpo, pintado, bonito. Eu particularmente sempre me achara uma pessoa atraente. Mas ali naquele salão de beleza eu me senti uma rainha. Estava tão linda quanto a mulher na capa da revista. Hannah tinha razão: qualquer um podia ser igual a ela. E se não quisesse, não precisava. Podia ser o que eu bem entendesse. Com o horizonte já expandido, nasceu meu arco-íris. Fiquei fascinada pelo novo mundo que descobri, por todas as portas que vi se abrindo diante de mim. Era mágico e lindo, como um Arco-íris. Uma pena eu não entender que arco-íris não duram para sempre.

Após o salão, Hannah levou-me para trocar de roupas. Mais uma vez, as opções eram tantas, e tão estranhas para mim que Hannah escolheu tudo. Disse que compraria algumas peças leves e mais cumpridas para que eu me acostumasse aos poucos com a moda de An'angelo. Não fiquei muito animada quanto a usar calças ou blusas com frases em línguas que não conhecia, mas ela me garantiu que as coisas eram assim por ali. Se fosse para me fazer sentir mais a vontade dentre todas aquelas pessoas, então que assim fosse. As jeans não limitaram meus movimentos tanto quanto eu achei que iriam, mas a sensação do tecido em contato direto com minha pele era irritante. A blusa branca estampada complementava meus cabelos loiros, de alguma forma. Eu fiquei feliz. Ao sair na rua, ninguém mais me encarava. Eu não era diferente, eu não estava fora do padrão. Eu era só mais uma, igual a todos os outros. Não demorei-me muito nesse pensamento pois não quis decidir se eu estava feliz ou não quanto a isso. Hanna aproveitou a caminhada para me explicar sobre brincos, piercings e tatuagens. Eu não consegui desenvolver uma reação para tais. Pareciam supérfulos, mas eu estava aprendendo que o significado desta palavra era diferente por ali.

-Papai e mamãe iriam adorar isso, não é mesmo?

Quando me dei conta, estávamos em frente a uma padaria. Eu não senti falata de Senhor e Senhora Johnson. Senti de Verena e Clícia e Mario, mas não de meus pais. Porém, aquela era uma ótima pergunta. Meus pais adorariam? Não tudo. Eles adorariam os cabelos soltos, a música que algumas pessoas tocavam nas ruas por alguns trocados e os horários mais livres. O comércio deles fechava às sete. De acordo com Hannah, a cidade não dormia. Música e luzes vinte e quatro horas por dia. A padaria deles poderia ficar aberta até mais tarde e lucrar muito mais. Isso era algo que valeria a pena ter na Sociedade do Sul: vida noturna. Moderada. Essa também foi a próxima coisa que Hannah me apresentou, acompanhada de mais um personagem importantíssimo para a revolução do Sul.

Naquela tarde eu listei o que havia aprendido em duas colunas: Bom e ?. A interrogação era por que eu não sabia se o Clube da Primavera aceitaria aquele costume em específico. Consegui algo bem extenso para menos de vinte e quatro horas de pesquisa.

Bom: Lojas coloridas e pessoas vestidas como bem entendem em todos os lugares; Vida noturna; Liberdade em expressão corporal; Salões de beleza;

?: Unhas pintadas; cera quente no rosto.

À noite, após Octavio voltar do emprego, Hannah me entregou uma muda de roupas que considerei curtas demais, ainda mais com o frio que fazia, e me levou até uma farmácia. Aquela era diferente das farmácias a Sociedade do Sul. Alguns remédios estavam ao alcance do cliente (o que achei que poderia ser perigoso), e vendiam outras coisas como produtos de banho e outras coisas que eu só encontraria no mercado da fronteira. Fiquei impressionada e fascinada, até Hannah aparecer com um funcionário e um pequeno brinco brilhante em mãos. Ela sorriu.

-Deveria furar as orelhas. Vou adorar dividir meus brincos com você!

ۼ�

A Sociedade do SulOnde histórias criam vida. Descubra agora