Era uma vez

57 3 5
                                    

- Você vai falar, agora! Onde está a chave para a montanha de vidro?
- Eu não sei! - tentei desprender meus pulsos dos dedos fortes do meu sequestrador.
- Você acha que isso é brincadeira? - gritou - Onde está a chave?!
- Eu disse que não sei!
Ele segurou meu pulso com ainda mais força.
Montanha de vidro? Eu nunca nem mesmo tinha ouvido falar de uma montanha de vidro. Não precisava ser um gênio para perceber que ele era completamente louco.
Ouvi a sirene da polícia. Suspirei. Não podia aguentar por mais muito tempo.
Tinha um pequeno hematoma roxo logo abaixo dos olhos, no local onde ele tinha me dado o primeiro soco. Estava sangrando.
- Vamos lá, Bran, só se esforce um pouco mais. Eu sei que você sabe onde está a chave.
Encarei-o ainda confusa porque, por mais que ele fosse completamente louco, ele sabia meu nome.
Então tentei me arrastar para longe, mas ele continuava segurando meu pulso.
- Quem é você? O que você quer?
- Eu quero que você liberte os sete corvos.
Berrei. Por que eu? Por que esse maluco não podia ter escolhido qualquer outra pessoa para sequestrar? Já tinham acontecido coisas ruins demais nos ultimos meses.
Em breve, tia Miriam ficaria preocupada comigo. Eu deveria estar em casa às oito. Faltavam cinco minutos para as nove, concluí ao ler o relógio no punho do homem musculoso que me segurava.
Eu precisava sair dalí. Precisava sair...
Estava tonta, não é como se eu fosse forte o suficiente para me tirar daquela situação.
Foi quando os policiais entraram. Ouvimos seus passos pelo corredor. Estavamos no porão.
Meu sequestrador, cujo nome eu nem mesmo sabia, soltou meu punho e, calmamente, se dirigiu para fora da casa pelos fundos, subindo a escada que dava para fora do porão, de onde emanava a única luz que o iluminava. Eu sabia que ele conseguiria escapar.
De repente, minha visão ficou embassada e meus ouvidos começaram a falhar. Fiquei ali, jogada no chão sem mais forças até a chegada dos policiais. Senti Fal me segurando em seus braços. Tentei olhar para ele para ter certeza de que era ele, mas sua voz me acalmou:
- Vai ficar tudo bem, Bran. Já acabou. Ele já foi embora. Vai ficar tudo bem. Vou levar você para casa.

♢♢♢

Tia Miriam me olhava ainda impressionada. Como era possível eu, uma adolescente medrosa e instável, continuasse perfeitamente calma depois do que tinha acontecido?
A resposta se tornava cada vez mais clara na minha cabeça: nada mais me assustava. Não era qualquer idiota que tentasse me sequestrar que ia me fazer chorar de medo. Não mais. Talvez fosse, mas isso foi antes do acidente.
Já fazia seis mêses desde que meus pais tinham morrido naquele maldito acidente de carro e que eu tinha sido forçada a me mudar para a casa da minha tia. Tinham sido muitas mudanças de uma vez só, nada mais parecia causar impacto na minha vida.
Não que Tia Miriam se importasse, ela gostava do meu jeito quieto, ela só não o entendia, mas sentia-se do mesmo jeito que eu depois de perder a irmã mais velha.
- Você tem certeza que está bem? - tia Miriam perguntou pela terceira vez.
- Eu vou ficar bem.- respondi com minha voz rouca.
- Talvez você só precise de uma boa noite de sono. - Fal sujeriu.
Eu gostava de Fal. Ele era o tipo de "tio legal" que aparecia nas minhas festas de aniversário com um grande urso de pelúcia e que respeitava o meu desejo de ficar sozinha às vezes. Além disso, ele tinha um sorriso bonito, dava para entender porque minha tia gostava tanto dele.
Tia Miriam gostava muito de Fal, e ele gostava muito dela. Namoravam a alguns (muitos) anos. Tinham começado no colégio, ninguém realmente pensou que ficariam juntos por tanto tempo. Eu entendia. Eles ainda não estavam prontos para casar um com o outro.
Fal era policial, era um trabalho arriscado. Muitos policiais morriam todos os anos, e os números continuavam crescendo. Então ela só tentava fingir que ia ficar tudo bem.
- É. - sorri - Talvez.
- Só termine suas malas antes de ir dormir.
Tia Miriam sorriu de volta para mim. Eu gostava de como ela me tratava, eu não precisava arrumar meu quarto, ou pentear o cabelo, ou lavar os pratos. Não precisava nem mesmo estudar.
Por isso eu podia me trancar no meu quarto por horas e não fazer... nada. Pensar um pouco. Ela achava que isso ia me ajudar a superar o que tinha acontecido.
Passei alguns minutos tentando levar aquela ferida no meu rosto. Estava ardendo. Olhei para mim mesma. Droga! O que tinha de errado comigo?
Joguei mais algumas peças de roupa dentro da minha mala e então fechei-a. Não precisava pensar nisso hoje.
Então me deitei na minha cama.
Fechei meus olhos e tentei ouvir minha própria respiração. Então ouvi um barulho estranho. Abri os olhos.
Olhei para a janela. Um corvo idiota não parecia entender que não podia passar pela janela de vidro.
Ele colidiu contra o vidro umas cinco vezes antes que eu abrisse a janela. Então ele voou para dentro do meu quarto. Gritei e me abaixei, esperando que ele me atacasse.
Minhas pernas tremiam. Sentei sobre a minha cama. O pequeno pássaro pousou sobre a minha cama. Encarei-o esperando que ele fosse embora.
Havia algo amarrado em um de seus pés. Não tinha certeza se ele me deixaria desamarrar a pequena fitinha que o prendia. Respirei fundo. Estiquei meu braço em sua direção. Ele continuou imóvel.
Desamarrei a pequena fitinha vermelha amarrada em seu pé e encarei-a por alguns instantes.
Havia alguma coisa escrita em letras minúsculas na fitinha. Com pressa, tirei de uma gaveta uma lupa que ganhara dos meus pais e li, com dificuldade o que estava escrito. Encarei o pássaro e depois a fitinha e li alto:
- Liberte os sete corvos.
A ave parecia me encarar de volta. Então, quando percebeu que eu entendera, saiu pela mesma janela e desapareceu na cidade do lado de fora.
Fechei a janela. Minhas mãos tremiam. Sentei sobre a cama ainda enquieta. Respirei fundo. Fechei meus olhos. Não era nada. Era só uma coincidência.
Abri o bolso da frente da mala e ali coloquei a lupa, só por garantia.

A Oitava FilhaOnde histórias criam vida. Descubra agora