PARTE II

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                 O dia passou com urgência, sem nenhuma surpresa. Sileno aguardou a madrugada, ansioso por uma nova amante. Examinou o céu limpo, sem Lua, sem estrelas. Fez o mesmo percurso da noite anterior. Uma expectativa estranha crescia dentro do peito. O mistério sobre aquela moça o envolvia como um feitiço. Atravessou o conjunto de casas que dava para o jardim abandonado. Apertou os olhos onde a luz dos postes alcançava, viu apenas as sombras das árvores, mas nenhum sinal da jovem. Aliás, não havia nenhum sinal de vida ali. O local parecia totalmente esquecido. A umidade constante o fez suar. Sileno balançou a cabeça, achou que estava louco.     

              A Lua apareceu no céu, testemunhando com um sorriso a desistência daquela procura insensata. Sileno deu um longo suspiro, a última espiada, e ali a viu novamente sob uma árvore. Vestia-se como a sombra; a pele alva ganhava o brilho tênue do luar. Ela estava distraída, os olhos perdidos em outro mundo. Por impulso, o rapaz se aproximou, despertando-a. A moça o encarou pela primeira vez; sua reação foi diferente da que Sileno provocava em outras pessoas. Ela manteve-se rija, os olhos ganharam uma solidez aguda. O rapaz sentiu-se invadido, como se seu segredo tivesse se espalhado pelo chão. A moça recuou, o pequeno corpo delgado parecia se desmanchar a cada movimento.

          — Espere! — pediu Sileno, num impulso.

          Ela ponderou e o encarou, os olhos redondos e pálidos.

          — O que você quer?

          Sileno desarmou sob seu tom. Para ele sempre fora fácil persuadir os mortais.

          — Quero saber seu nome. — Foi a primeira coisa que lhe veio à cabeça subitamente anuviada.

         A moça riu, ficou pensativa, por fim disse:

         — Meu nome custa um segredo seu.

        — Sou um excelente amante — respondeu o rapaz, se é que aquela declaração era um segredo.

        — Não quero o que seus lábios dizem. Preciso do segredo que sua alma esconde.

         Sileno se incomodou com aquele pedido. Olhou para os pés escondidos dentro dos sapatos. Não, era impossível aquela garota saber de algo. Respirou aliviado e deu um belo sorriso. Aquilo não passava de um velho jogo que sabia muito bem brincar.

         — Digo para você um segredo — disse Sileno, quase num sussurro. — Estou apaixonado, você acredita?

          — Acredito — respondeu ela, escondendo um sorriso matreiro.

         — Então, me diga agora seu nome... — Sileno se aproximou com cuidado, como se temesse afugentar uma lebre.

         — Meu nome? — repetiu ela, acompanhando o olhar dele. — Não costumo compartilhar segredos com quem costuma ter segredos maiores que o meu.

           O rapaz estacou. Controlou-se para não lhe tocar a face, a centímetros da sua. Era alva e redonda, se facilmente em suas mãos. Os lábios finos pareciam contornados por um artista. Os olhos. Sileno perdeu-se neles por um longo minuto. Sentiu-se mergulhar num dos mares gelados da Lua. Quando voltou à tona deparou com o sorriso tímido da moça.

          — Me diga apenas seu nome. — Sua súplica desatou um nó na garganta. Queria tocá-la, mas uma força o impedia de fazê-lo. Seria cautela?

           Num gesto inesperado, a garota encostou a face fria na de Sileno. Sua voz sussurrou como um eco distante em seu ouvido:

           — Dê-me o nome que quiser. — Seus lábios roçaram suaves na pele de Sileno, mas ele continuava preso a uma neutralidade estranha.

CLAIR DE LUNEOnde histórias criam vida. Descubra agora