Fugir pra quê?

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Está um breu aqui fora.

Não há qualquer barulho que possa camuflar os meus passos. Preciso me lembrar de que não estou mais em São Paulo e que não há repetidos sons ecoando de todos os lados, como a música alta do apartamento de cima, os aviões passando de hora em hora, as buzinas de carro e as conversas paralelas que estão por todos os lados.

Os únicos sons que ouço são os grilos, o vento zunindo em meus ouvidos, uma corrente que acredito ser de água e minha respiração, que parece um tanto acelerada.

Não há muito lugares que dá para uma garota de quinze anos se esconder, então nem faço nenhum esforço. Chego ao Galpão e me deparo com a escuridão. A mesa está vazia. Sei que existe uma porta no fundo do Galpão, mas seria muito arriscado eu ir só para me certificar que estou sozinha. É melhor eu pegar o carro e cair fora daqui, antes que alguém apareça. Olho a distância que há entre mim e os carros. Por que eles pararam tão longe? Olho para cima, e não sei se desejo que a lua brilhe mais forte ou que me ofusque na escuridão.

Decido ser rápida, ninguém vai me ouvir. O vento açoita meu rosto e o corte do meu cabelo não facilita enquanto corro. Chego do lado do primeiro carro; o Jipe. Sinto meu pulmão arder, estou prendendo a respiração. Inspiro e expiro, só há duas portas, uma tem que abrir, tenho quatros opções de carros, é impossível todos terem alarme. Tento primeiro a porta do passageiro do Jipe. Trancada. A do motorista também, droga! O que eu vou fazer se todas estiverem fechadas? Ficar aqui? Sair correndo pela floresta? A BMW preta é minha próxima escolha, é o carro em que Car chegou.

Cleck.

Um galho quebrando. Viro para trás, de onde acho que veio o som, está escuro. Desisto de tentar ver o que é e me apresso em tentar abrir as quatro portas. Nenhum sucesso. É um carro tão lindo, podia estar aberto.

Sinto uma lufada de ar quente atrás de mim. Um suspiro. É só minha imaginação. A Ferrari vermelha, só preciso que esteja aberta uma das portas, uma só... Trancada, trancada e trancada! Vou até a maçaneta do motorista, e com um fio de esperança abro lentamente... Trancado. Cravo meus dentes no lábio inferior, minha última esperança é o Aston azul em que eu vim, não perco meu tempo vendo se as outras portas estão abertas, vou logo para a porta do motorista. Fechada. Espero que os vidros não sejam à prova de balas. Meu plano B inclui quebrar uma das janelas, eu iria conseguir sobreviver sem uma delas.

Um riso. Quer dizer, algo parecido com alguém tirando sarro, é isso que ouço. Fecho os olhos e reabro; tem alguém aqui. Preciso executar meu plano B, e tem que ser agora. Pego uma pedra em que eu quase tropecei ao vir para o Aston, e seguro na mão. Ela é maior do que minha palma, de modo que coloco o lado mais pontudo para atravessar o vidro, só espero que sua espessura não seja tão grossa. Toco no vidro, esperando que haja uma chave reserva dentro do carro. Se não tiver, tenho que fazer uma ligação direta. Os filmes que Gabriel e eu vimos juntos tinham que valer para alguma coisa.

Já estou preparada para o baque, e até me conformo que eu vou me cortar um pouco — muito — se eu conseguir quebrar o vidro. O choque da colisão não veio, ao invés disso uma força começa a empurrar meu braço para a direção oposta. Algo invisível. Quando termina, o que não leva menos que segundos, me deixo levar pelo desespero. Sinto alguém segurando meu braço, olho ao redor e procuro por algo que justifique a força que não me deixou quebrar o vidro, mas não há. O cheiro da grama fica ainda mais forte do que antes.

Olho a pedra que "caiu" da minha mão, e tento pega-la novamente. O que infelizmente não funciona, ela parece estar colada ao chão, não estou respirando direito. Forço-me a ficar ali e tentar novamente quando todos os meus instintos dizem para largar a ideia do carro e ir para o plano C: correr para floresta. Olho mais uma vez ao meu redor, sei que não estou sozinha.

Crônica dos Snay 1: TERRAOnde histórias criam vida. Descubra agora