Quem não gosta de ser sequestrado?

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Abro meus olhos lentamente.

Estou deitada em algo seco. Há terra vermelha por todos os lados. Não há nada de folhas ou árvores, simplesmente um deserto com areia seca.

Mexo-me lentamente, procuro por algum ferimento em meu braço, mas não há nenhum, levanto-me e mexo o calcanhar direito, não há nada de errado... Um sonho.

O sol está quase insuportável, não há helicópteros ou aviões, nada sobrevoando, apenas o imenso céu azul. Tem alguma coisa errada, nada está se mexendo, não há brisa, não há animais, nenhum indício que algo esteja vivo nesse lugar. O ar seco faz minha garganta reclamar por água, isso é um sonho, preciso me lembrar. Ouço um grito, olho para trás, de onde tenho absoluta certeza que veio o som, e corro. Lembro-me então que não posso salvar ninguém, meus passos diminuem.

Ao longe enxergo o primeiro indício de algo, — que não é terra — meus passos aceleram para descobrir de quem é a misteriosa imagem. Aproximo-me e vejo uma figura humana, mais perto percebo o garoto, ele está... morrendo. Em seu estômago está cravada uma lâmina; uma espada. Sangue escorre manchando sua camisa, ele está curvado como se assim aliviasse sua dor.

Como sua pele pode ser incrivelmente pálida? Nesse sol de rachar, pelo menos suas bochechas eram para estar avermelhadas, mas não estão. Ele está branco, gotículas de suor caem de seu rosto, o cabelo extremamente preto destaca os olhos verdes, que estão fora de foco. Minha corrida só se interrompe quando sou impedida por uma barreira invisível, meu nariz é esmagado por uma projeção sem cor. Bato na parede esperando que ela ceda, o garoto no chão uiva de dor, felizmente não escuto, o silêncio é tão grande que se forma zumbido no meu ouvido.

Não estou sozinha. Ao olhar para os lados em busca de uma saída contra a parede invisível, vejo a minha esquerda outro garoto, parece idêntico ao que está se contorcendo no chão, mas esse está de pé ao meu lado, lutando contra a parede invisível, olho para os dois garotos, atônita, e percebo a visível diferença entre eles. O garoto ao meu lado tem um cabelo mais comprido que vai até os ombros, seus olhos verdes são mais escuros também, ele chuta a parede invisível, como se ela fosse romper.

Ao meu lado direito há duas garotas, uma é tão pequena que eu diria que é menor que Gabriel. Ela chora descontroladamente, os cabelos cacheados e negros estão caindo sobre seu rosto chorão. A outra garota, que parece ser mais velha, talvez mais do que eu, está ajoelhada no chão, ela parece estar paralisada, como se não estivesse acreditando no que via, seus olhos verdes estão fixos nos do garoto no chão que está sangrando.

O zumbido que seguia em meu ouvido de repente se foi. Como se fosse um rádio dentro de minha cabeça, o som aumentou bruscamente. Ouço os gritos desesperados do garoto no chão. Ouvir aquilo é agonizante, pior que vê-lo no estado deplorável. O garoto de cabelos compridos ao meu lado não para de gritar palavras desconectas, coloco minhas mãos sob meu ouvido, mas não adianta. A garota chorona do meu outro lado berra descontroladamente, dizendo que está sendo perseguida. Por um instante penso que minha cabeça vai explodir com tantos gritos. Felizmente, a mais velha do grupo saiu de seu estupor e tomou as rédeas da situação. Já levantada, ela só com um olhar fez com que o garoto de Cabelos Compridos parasse de gritar.

— Adhara, me escute — a garota mais velha fala com mais imposição em sua voz.

— Ankel, ele, ele está... — O Garoto de Cabelos Compridos tenta dizer algo, mas é interrompido.

— Não é real, isso não é real, Car. É uma projeção dentro de nossas cabeças.

— Uma o quê? — a Garota Chorona perguntou, parando seu drama — Ah, esquece, eu só quero ir para minha Festa da Primavera!

Crônica dos Snay 1: TERRAOnde histórias criam vida. Descubra agora